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A noite é feminina na TV alemã

av21 de maio de 2004

A escolha de uma mulher para ocupar o lugar do mais importante apresentador de TV do país impõe a constatação: elas é que dão as cartas no momento. Para os homens só sobra mesmo a programação mais leve.

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Anke EngelkeFoto: AP

Quando a primeira-dama do humorismo alemão, Ange Engelke, estreou seu show noturno na segunda-feira (17), os olhos da nação estavam fixados nela. Cerca de três milhões sintonizaram a TV para ver a humorista fazer piadas e bater papo com celebridades internacionais. Anke late night já começou como o talk show mais bem sucedido do horário, atraindo 27% dos espectadores entre 14 e 49 anos de idade.

Nas próximas semanas, os delicados ombros da artista de 38 anos terão que arcar com uma pesada carga. Afinal, ela está sucedendo ninguém menos do que o queridinho da nação, Harald Schmidt – o equivalente alemão de Jô Soares ou do americano Jay Leno. Cada programa de Anke custa à emissora particular Sat.1 cerca de 90 mil euros. O cachê da apresentadora fica em 20 mil euros.

Em retorno, o canal espera que ela aumente a audiência e atraia novos patrocinadores. A Sat.1 tem paciência: um comercial de 30 segundos durante Anke late night custa, por enquanto, a bagatela de 9500 euros, um pouco menos do que durante o glorioso reinado de Schmidt. Este garantia 1,8 milhão de espectadores, quatro vezes por semana.

Herança preciosa

Harald Schmidt Show
Harald SchmidtFoto: AP

Com tanto em jogo, não é de esperar generosidade para Anke Engelke, nem por parte dos espectadores nem dos críticos. A grande questão é se a novata conseguirá fazer justiça ao formato que seu antecessor lançou e manteve praticamente sozinho na TV alemã. Até o brilhante Harald Schmidt chegar, em 1995, a alternativa para a noite alemã eram os talk shows piegas dos inofensivos e convencionais Rudi Carrell e Thomas Gottschalk.

A estes faltava justamente o ferrão de sarcasmo, o risco constante para o convidado de ser colocado numa situação reveladora a qualquer momento. Isso e os comentários por vezes dadaístas de Schmidt sobre temas atuais garantiram ao formato do talk show um status in na Alemanha.

Quando Schmidt se despediu, em dezembro de 2003, houve um frenesi na mídia, personalidades de todos os gêneros foram alvo de especulações como candidatas à sucessão. Enquanto há dez anos seria impensável uma mulher carregar o tipo de tocha deixada por Harald Schmidt, neste caso concreto ninguém deu importância ao pequeno detalhe.

Está claro que o perfil do programa será outro, mas o presidente da Sat.1, Roger Schawinski, sabe o que está fazendo: Anke late night se dirigirá a uma audiência diferente, mais ampla, mais jovem, menos intelectual, mais "feminina".

"Feminino" não é mais palavrão

Verleihung des Deutschen Fernsehpreises 2002
Maybrit Illner (esq.) e Sabine Christiansen (dir.)Foto: dpa

A palavra "feminina" deixou definitivamente de ser um xingamento na mídia alemã de hoje. Pelo contrário: os shows apresentados por mulheres se multiplicam, quer se trate de humorismo ou entrevistas e comentários políticos de peso. Jornalistas respeitadas como Sabine Christiansen, Sandra Maischberger, Maybrit Illner, Elke Heldenreich, Anne Will e Marietta Slomka se tornaram familiares ao telespectador e sinônimo de jornalismo sério e de qualidade.

Lutz Erbring, da Universidade Livre de Berlim, não considera a tendência tão relevante: "Quem for melhor, pega o emprego. Essas categorias se tornaram redundantes, não é mais relevante pensar em termos de gêneros". Ele assinala que o talk show depende da personalidade do apresentador. Assim, a atual predominância feminina seria arbitrária, podendo reverter-se nos próximos anos.

Homens no banco de reservas

Segundo Erbring, a mídia alemã tem se provado bastante "unissex" nos últimos anos, tendência que se repete no resto da Europa. Ele aponta também uma inversão de papéis, em que os homens apresentam os programas mais leves – a exemplo do popularíssimo TV Total, do também humorista Stefan Raab – enquanto as mulheres assumiram totalmente o setor de entrevistas.

Não é à toa que a homepage da apresentadora Sabine Christiansen a define como "a mulher mais poderosa da TV alemã". Entre sua impiedosa entrevista com a assessora de Segurança dos EUA, Condoleezza Rice, no domingo, e o papo de Anke Engelke com Sting no dia seguinte, os colegas homens mal têm tempo de dar um pio.