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A nova generosidade de Merkel na crise do coronavírus

17 de julho de 2020

Anos após ajudar a impor medidas de austeridade na Europa durante crise financeira, líder alemã mudou de atitude, defendendo um amplo pacote de € 750 bi para ajudar os países da UE fortemente afetados pela pandemia.

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Angela Merkel de máscara
"Devido à natureza excepcional desta crise, também estamos escolhendo um caminho excepcional", disse MerkelFoto: Reuters/J. Thys

Há dez anos, caricaturas da chanceler federal alemã, Angela Merkel, vestindo um uniforme nazista estamparam jornais gregos. No auge da crise financeira, os alemães eram vistos como capatazes que ensinavam, sem piedade, disciplina orçamentária aos países endividados do sul da Europa. Para os parcimoniosos do norte, por outro lado, a Alemanha era a âncora da estabilidade que deveria proteger a União Europeia (UE) do endividamento sem fim.  

Hoje, a mesma frugal chanceler federal alemã parece acreditar que o fundo de recuperação econômica pós-pandemia da UE não seja grande o suficiente. O pacote deve ser "maciço", afirmou Merkel nesta terça-feira (14/07), após uma conversa com o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, cujo país provavelmente seria o maior beneficiário da ajuda.

De olho nos mercados financeiros, o ministro das Finanças alemão, Olaf Scholz, quer que a Europa envie "fortes sinais" para combater as consequências econômicas da pandemia do novo coronavírus.

Na reunião de cúpula da UE a ser realizada a partir desta sexta-feira (17/07), a primeira desde março na qual os chefes de Estado e de governo dos países-membros do bloco estarão presentes pessoalmente, a questão em jogo é um enorme fundo de ajuda no valor de 750 bilhões de euros.

De acordo com uma proposta da Comissão da UE, 500 bilhões de euros corresponderiam a subsídios não reembolsáveis para os países particularmente afetados pelo novo coronavírus, e o restante, a empréstimos. O "presente" de 500 bilhões de euros é uma ideia que precisamente Merkel desenvolveu junto com o presidente francês, Emmanuel Macron, em maio.

De onde vem a mudança de postura de Merkel? "Devido à natureza excepcional desta crise, também estamos escolhendo um caminho excepcional" foi a forma como a chanceler federal explicou a nova generosidade.

"O coronavírus está atingindo todos os países da Europa, e alguns, em particular, fortemente", disse à DW Andreas Jung, porta-voz de política financeira da União Democrata Cristã (CDU), o partido de Merkel. "Isso requer o apoio de parceiros em caso de uma emergência. Mas isso também é do nosso interesse: uma Alemanha e uma Europa fortes caminham juntas."

Para a CDU de Merkel, orientada para a estabilidade, essa foi inicialmente uma questão complicada a ser resolvida. O líder da bancada do partido no Bundestag (Parlamento alemão), Ralph Brinkhaus, admitiu isso em maio, quando a chanceler federal apresentou a proposta franco-alemã.

Mas mesmo o líder do Partido Liberal Democrático (FDP), Christian Lindner, não é atualmente categoricamente contra o fundo. Durante a crise financeira, seu partido foi parceiro de coalizão da CDU e, mais ainda do que o partido de Merkel, pisou no freio quando se tratava de fazer dívidas e gastar dinheiro. No entanto, Lindner considera importante "que a ajuda esteja vinculada a condições, ou seja, planos de reforma".

Caricatura de Merkel vestida com uniforme nazista em jornal grego
Durante a crise financeira, jornais gregos publicaram caricaturas de Merkel vestida com uniforme nazistaFoto: picture-alliance/dpa/O. Panagiotou

O único partido que se opõe estritamente ao plano é o populista de direita Alternativa para a Alemanha (AfD). A líder da bancada do partido, Alice Weidel, vê o pacote como uma "ruptura de barragem", que traria "enormes encargos" para os contribuintes alemães. Ela não quer saber de solidariedade europeia: "Nessa situação, não temos bilhões [de euros] para doar, porque temos que ajudar a nós mesmos", afirmou em discurso no Bundestag.

Alemanha como parceira

Com essa notável exceção, as vozes críticas estão agora em silêncio. O governador da Baviera, Markus Söder, que metade dos alemães gostaria de ver como o próximo candidato conservador a chanceler federal alemão, já demonstrou apoio aos planos. Ele disse que não se deve dividir os países da UE entre devedores e credores, mas que todos devem ser entendidos como parceiros.

Um dos dois presidentes do Partido Social-Democrata (SPD), Norbert Walter-Borjans, deixou claro no mês passado que espera uma nova direção a partir da presidência alemã no Conselho da UE neste semestre. "Nós não temos mais o papel de 13 anos atrás, quando fomos disciplinadores da Europa na crise. Agora devemos ser um parceiro respeitoso", afirmou, apontando que isso incluiria um compromisso financeiro mais forte por parte da Alemanha.

Muitos observadores ficaram surpresos com o fato de a "mestre da disciplina" Alemanha estar pronta para distribuir 500 bilhões de euros como subsídios a parceiros necessitados da UE. Mas Merkel insiste nisso, apesar da resistência dos chamados "quatro frugais" – Holanda, Áustria, Suécia e Dinamarca –, que argumentam que os empréstimos elevariam ainda mais a taxa de endividamento da Itália e estrangulariam suas economias.

O primeiro-ministro holandês, Mark Rutte, não entende mais o pensamento alemão. Ele e os outros chefes de governo dos "quatro frugais" temem falsos incentivos e desperdício. Mas Andreas Jung, da CDU, insiste: "Isso não funcionaria sem os subsídios. Para países que já estão fortemente endividados, a oferta de crédito significa pedras em vez de pão."

Há sinais de que a nova reputação da Alemanha como doador benevolente sacudiu alguns políticos nas fileiras da CDU. Um dia antes da cúpula deste fim de semana, Brinkhaus afirmou em entrevista a um jornal que o dinheiro deveria ter destinos específicos e estar vinculado a reformas nos países.

A destinação específica dos recursos é um dos compromissos que podem ser possivelmente fechados na reunião de cúpula e que poderia apaziguar os chamados "quatro frugais". Vários políticos mencionaram áreas que poderiam ser especificamente incentivadas por meio dos subsídios, como proteção climática e digitalização. Também é possível que o valor dos subsídios de 500 bilhões de euros seja reduzido ou que a proporção entre empréstimo e subsídio seja alterada.

Mas isso não mudará a nova generosidade de Merkel. No início deste mês no Parlamento Europeu, quando discursou sobre o início da presidência alemã no Conselho da UE, ela disse: "Que mensagem poderia ser mais apropriada do que essa de que a Europa é capaz de grandes coisas se nos apoiarmos e permanecermos juntos?"

Quando questionado sobre o que está em jogo, Jung responde da mesma forma sucinta: "A Europa: sua ideia, seus valores e sua economia".

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