A "pequena Crimeia" da União Europeia
27 de março de 2014Daugavpils é um importante eixo de trânsito. Uma estrada de 500 quilômetros de extensão liga a segunda maior cidade da Letônia à russa São Petersburgo. A capital bielorrussa, Minsk, está a apenas 400 quilômetros de distância.
Devido à proximidade à Rússia e a Belarus, já há séculos existe uma ampla minoria russa entre a população de Daugavpils, explica Dimitri Olekhnovich, historiador da universidade local. Após a Segunda Guerra Mundial, a Letônia foi industrializada de forma brutal. "A população letã foi tanto 'sovietizada' quanto 'russificada'. Além disso, foram enviados muitos técnicos a Daugavpils", afirma.
Até hoje, nenhuma cidade dentro da UE é tão marcada pela presença russa. Praticamente ninguém lá fala o idioma nacional, e apenas um quinto de seus 100 mil habitantes é de letões; os demais são russos ou de outras nacionalidades. Assim, não é de espantar que os ativistas que se engajam pelos direitos da minoria russa na Letônia encontrem numerosos adeptos em Daugavpils.
Ecos da Ucrânia
Chegou-se a discutir, em 2013, a ideia de uma região autônoma no leste da Letônia. Num referendo, 85% da população se declararam a favor de instituir o russo como segunda língua oficial. Os políticos letões de direita alertam que Daugavpils é a "pequena Crimeia" do país: caso também se realizasse lá uma votação, a maioria seria seguramente pela incorporação à Federação Russa.
O russo Evgueni Tsarev, deputado do Conselho Municipal, considera a tese exagerada. Contudo, ele admite que os desdobramentos na Ucrânia também aqueceram os ânimos em Daugavpils nas últimas semanas.
"Os russos aqui se sentem fortalecidos pelos acontecimentos na Crimeia. Eles estão mais seguros de si, porque agora sabem que a Rússia é forte, e pode intervir também a favor deles, se for necessário. Dos nossos russos, 99% assistem a TV estatal russa: é claro que essa propaganda influencia o que as pessoas pensam", relata o parlamentar.
Pró ou contra Putin
No momento, debate-se acaloradamente em toda a Letônia se Moscou está libertando os russos na Crimeia ou ocupando uma parte da Ucrânia. Por isso, parte da população exige até mesmo que se proíba a transmissão da programação russa pelo canal a cabo letão.
Para muitos letões, o presidente russo, Vladimir Putin, procedeu de forma absolutamente correta. O operário Mikhail Grichakov, de 43 anos, por exemplo, afirma que votaria a favor da anexação pela Rússia se houvesse um referendo na região leste.
Visivelmente indignado, questiona: "Por que Riga só cuida das regiões no oeste da Letônia? Lá são construídas novas casas, escolas e piscinas públicas. Aqui, no leste, a gente só tem ruínas, nada é consertado, tudo está despencando." Ele reconhece que a vida na Rússia não é muito melhor, mas acredita que lá teria maiores chances de conseguir um emprego.
Fim da tolerância
De acordo com o historiador Dimitri Olekhnovish, o posicionamento pró-russo ou pró-europeu entre a população é, acima de tudo, uma questão de geração. Enquanto os russos mais jovens se beneficiam da liberdade de viajar e de outras vantagens da UE, os mais idosos têm saudades dos tempos da URSS.
"Muitos ainda sentem falta do seu mundo perdido. Eles se remetem à União Soviética como um paraíso perdido, com sistema de saúde gratuito, empregos e preços módicos de moradia", explica o professor da Universidade de Daugavpils.
Mesmo quem não é "contra" nem "a favor" da Rússia também tem consequências negativas a temer. Com a crise da Crimeia, simplesmente desapareceu a tolerância entre russos e letões, até então muito difundida.
A letã Vita Yahimovitcha lamenta o atual estado de coisas: "Durante tantos anos nós nos esforçamos tanto para ser amigáveis e tolerantes uns com os outros. Quando os aposentados russos não conseguiam mais aprender letão, a gente ia pouco a pouco aceitando. Agora, as pessoas voltaram a pensar ou preto ou branco. Os efeitos são muito negativos. É realmente uma pena."