A receita de sucesso de Dortmund contra a ultradireita
26 de junho de 2020Antes famosa graças a sua indústria de aço e carvão, Dortmund, no oeste da Alemanha, é notória há décadas por uma cena neonazista altamente ativa. Em 2015, formou-se uma força-tarefa especial para combater os extremistas, cujos primeiros frutos o comissário-chefe Gregor Lange anuncia orgulhosamente.
Em 2019, a cidade registrou uma acentuada queda de crimes por radicais de direita, em comparação ao ano anterior. Delitos como sedição, agressão verbal, propaganda racista e danos materiais caíram 25%; crimes violentos como provocação de incêndio e agressão física, 35%. O declínio é ainda mais notável em relação aos últimos cinco anos, com 50% e 80%, respectivamente.
"Reunimos agentes de Dortmund e mais além, colocando o combate a todo tipo de crime ultradireitista como foco para todos os nossos departamentos, pressionando a cena e mostrando continuamente nossa presença", relatou Lange à DW. A força-tarefa "atuou contra cada delito – mesmo pequeno, como danos materiais ou exibição de símbolos nazistas – perseguindo cada um efetivamente".
Assim Dortmund se contrapõe à tendência nacional, que acusou 14% mais crimes de ultradireita em 2019 do que no ano anterior. A municipalidade já começara a tomar providências uma década atrás, ao lançar um Plano de Ação Contra o Extremismo de Direita, reunindo autoridades municipais e grupos da sociedade civil.
Quatro funcionários em regime integral e diversos prestadores de serviços comunitários organizam iniciativas nos "pontos quentes" da cidade, removem pichações e faixas de propaganda, assistem as vítimas de violência extremista e promovem eventos educativos pró-democracia. O programa é financiado com 800 mil euros anuais dos cofres estatais e municipais.
A cidade de cerca de 600 mil habitantes é a maior da região do Vale do Rio Ruhr, polo siderúrgico da Alemanha onde a mineração de carvão e o processamento de aço começaram mais de um século atrás. O declínio pós-industrial que tomou conta da região é sentido fortemente em Dortmund, cuja taxa de desemprego é de 14%, mais que o dobro da média nacional.
Um terço da população local é descendente de imigrantes, principalmente da Turquia e do Sudeste da Europa. A cidade era uma das principais destinações de gastarbeiter (trabalhadores convidados), chegados desses países entre as décadas de 1950 e 1970 para compensar a falta de mão de obra do pós-guerra.
Agora Dortmund conta com uma vasta comunidade muçulmana e 30 mesquitas. Cerca de 3.200 solicitantes de asilo de 70 países lá vivem, a maioria do Iraque, Afeganistão, Síria e Nigéria. A área do antigo parque industrial Westfalenhütte, ao norte do centro, que empregava 25 mil operários durante o boom econômico do pós-guerra, é agora lar para imigrantes e famílias mais pobres, oferecendo moradia mais barata e em geral de má qualidade.
Lá, extremistas de direita tanto da Alemanha como do exterior marchavam em grande número, a cada semana, durante anos, portando símbolos nazistas, agitando bandeiras e bradando slogans racistas. Além disso, a atividade ultradireitista local é ligada à cena de hooligans de seu bem-sucedido time de futebol Borussia Dortmund (BVB).
Porém esses dias se foram, atesta a ativista Jutta Reiter, da Confederação Alemã de Sindicatos (DGB): "Notamos que os neonazistas recuaram. Apesar de seus anúncios, eles não encenam mais grandes manifestações como as que costumavam atrair atenção para nossa cidade. Agora os eventos são bem pequenos, dá para perceber que eles realmente enfraqueceram."
Foco de extremistas
Um dos motivos para esse enfraquecimento é que todos os líderes radicais de direita de Dortmund estão cumprindo pena de prisão, pois os juízes passaram a pronunciar sentenças mais severas do que antes. Em junho, Sascha Krolzig, líder do partido extremista Die Rechte (A Direita) foi condenado a 14 meses sem direito a recurso. Há meia-dúzia de outros líderes encarcerados, além de diversos casos pendentes.
Os poucos, porém eloquentes apoiadores do Die Rechte vivem no bairro de Dorstfeld. Nele fica a rua Emscher, onde dois grandes prédios são alugados exclusivamente por ativistas e simpatizantes da extrema direita. O proprietário, de 91 anos, membro da conservadora União Democrata Cristã (CDU), da premiê Angela Merkel, afirma não se interessar pelas tendências políticas dos inquilinos, mas sim que paguem o aluguel em dia.
Na entrada da rua, veem-se bandeiras preto-e-brancas datando dos tempos do Império Alemão. Em setembro de 2019, a polícia protegeu grafiteiros para pintarem por cima das suásticas que decoravam a fachada de uma fileira de garagens. Presente à eliminação das insígnias nazistas, o secretário do Interior do estado da Renânia do Norte-Vestfália, Herbert Reul, anunciou que "os neonazistas não ganharão um milímetro de espaço".
Entretanto, nem tudo corre sem obstáculos para a polícia: um dos reveses foi um tribunal administrativo sustar os planos de instalação de câmeras de vídeo na rua Emscher, afirmando não se tratar de uma área de alta criminalidade. Assim, atendia à queixa de quatro residentes de que a vigilância era uma séria violação de seus direitos constitucionais.
Segundo um morador de meia idade, de camiseta Adidas, "não é tão ruim como a mídia diz". "O local mudou, você pode andar em segurança, contanto que não tenha algo como 'antifa' escrito nas costas", afirma, referindo-se ao grupo ativista de esquerda.
Por toda a Alemanha, a extrema direita não é tão identificável quanto costumava ser. Como a maioria dos neonazistas não raspa mais a cabeça, nem usa jaquetas de piloto e coturnos pretos, estão mais difíceis de detectar. Eles se misturam à comunidade, seus líderes são eloquentes e tomam mais cuidado em não infringir as leis alemãs.
Essa nova maneira de se misturar é acompanhada por uma mudança de tática. A vigilância policial de locais públicos impele o ativismo para outras áreas e encoraja táticas dinâmicas de agitadores peritos em internet, que preferem levar sua xenofobia hard-core para as redes, do que para as ruas.
O comissário Lange vivenciou agressão em primeira mão. "Tem havido ameaças pessoais contra mim. Mas o extremismo de direita é um problema há décadas, e traz sofrimento, então fiz do combate a ele a minha missão pessoal, e ataques à minha pessoa só aumentam a minha determinação."
"Mas também temos que cuidar que o sucesso que tivemos aqui não nos torne complacente, e não devemos cometer o erro de ignorar que racismo e antissemitismo são um perigo real neste país, e que temos que ficar vigilantes", alerta o chefe de polícia.
Para a ativista Jutta Reiter, o verdadeiro desafio do futuro não é rechaçar os extremistas de direita: quem vai ganhando terreno são os populistas de direita, também em Dortmund. Nas eleições de 2019 para o Parlamento Europeu, o partido Alternativa para a Alemanha (AfD) obteve 9% dos votos. Agora, todos os olhos estão nas eleições municipais de setembro, para conferir se a cidade da Região do Ruhr terá sucesso em repelir a direita.
"A população está mais suscetível ao populismo de direita", analisa Reiter. "Ele tende a se opor à violência e rejeitar o fascismo histórico da era nazista, mas agora vemos novas formas de racismo e nacionalismo. O desafio do futuro será fazer compreender que esse é um caminho pelo qual a nossa sociedade não deve se aventurar."
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