A troca de farpas entre o STF e a Lava Jato
15 de março de 2019Cresce a tensão entre membros do Supremo Tribunal Federal (STF) e integrantes da força-tarefa da Lava Jato após recentes decisões da Corte. A determinação do STF desta quinta-feira (14/03) de manter na Justiça Eleitoral os julgamentos de casos de corrupção que tenham ligação com crimes de campanha, como a prática de caixa dois, provocou críticas dos procuradores.
O Supremo decidiu, por 6 votos a 5, que crimes eleitorais que tenham sido cometidos em conexão com crimes comuns, como corrupção e lavagem de dinheiro, devem ser julgados em tribunais eleitorais, e não pela Justiça Federal.
Votaram para enviar esses processos à Justiça Eleitoral os ministros Marco Aurélio (relator), Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli, presidente do Supremo. Por outro lado, votaram pela competência da Justiça comum os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia.
Membros da força-tarefa da Operação Lava Jato em Curitiba já vinham condenando o envio desses casos à esfera eleitoral, argumentando que esses tribunais não possuem estrutura para processos mais complexos, o que, no entender deles, pode acarretar uma maior demora, risco de prescrições e risco da anulação de atos que já foram realizados pela Justiça Federal.
O coordenador da força-tarefa da Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol, reforçou suas críticas à medida na quinta-feira. "Começou a se fechar a janela de combate à corrupção política que se abriu há 5 anos, no início da Lava Jato", escreveu ele em sua conta no Twitter.
Dallagnol também reproduziu na rede social trechos do voto do ministro do STF Luís Roberto Barroso, que foi contrário à manutenção dos casos na Justiça Eleitoral. "Não será bom, após anos de combate à corrupção, mexer em uma estrutura que está dando certo, funcionando, e passar para uma estrutura que absolutamente não está preparada para isso", diz um dos trechos reproduzidos.
"Faz pouca diferença distinguir se o dinheiro vai para o bolso ou para a campanha. O problema não é para onde o dinheiro vai, é de onde o dinheiro vem. E o dinheiro vem da cultura de achaque e corrupção que se disseminou pelo país", afirma Barroso em outra parte do discurso citado por Dallagnol.
A Transparência Internacional entrou na briga, também criticando a decisão do STF de permitir que a Justiça Eleitoral julgue crimes comuns. "A Transparência Internacional alerta que a luta contra a corrupção será impactada de forma grave pela decisão", diz em comunicado. "No entendimento da organização, essa atribuição deveria ficar com a Justiça Federal."
A ONG afirma ainda que "a decisão deve ser respeitada, assim como a instituição do Supremo Tribunal Federal", mas argumenta que a decisão da Corte "ameaçará seriamente os processos já em curso, com risco real de impunidade; além de prejudicar o desenvolvimento de novos casos anticorrupção".
STF investiga ofensas
Outra ação do Supremo contribuiu para acirrar as tensões entre a Corte e a Lava Jato. No início da sessão plenária de quinta-feira, Toffoli anunciou que pediu a abertura de um inquérito para apurar fake news e ofensas ao STF.
A investigação deve mirar procuradores da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, como Deltan Dallagnol, que postou vídeos nas redes sociais convocando a população a se posicionar contra o STF, e Diogo Castor, autor de um artigo acusando ministros do Supremo de querer dar um "golpe" contra a Lava Jato.
Em seu voto na quinta-feira, o ministro Gilmar Mendes criticou duramente os procuradores da força-tarefa, acirrando a troca de farpas entre as duas partes. "Quem encoraja esse tipo de coisa? Quem é capaz de encorajar esse tipo de gente, gentalha, despreparada, não tem condições de integrar um órgão como o Ministério Público", afirmou.
O ministro também chamou os membros da força-tarefa em Curitiba de "cretinos". "Se estudaram em Harvard, não aprenderam absolutamente nada. São uns cretinos, não sabem o que é processo civilizatório, não sabem nem o que é um processo."
Toffoli designou o ministro do STF Alexandre de Moraes como relator da investigação, que tramitará em sigilo e deve investigar "notícias fraudulentas, conhecidas como fake news, denunciações caluniosas, ameaças e infrações revestidas de ânimos caluniantes, difamantes e injuriantes, que atingem a honorabilidade e a segurança do Supremo Tribunal Federal, de seus membros e familiares", conforme ressaltou o presidente da Corte.
Também deve ser investigada a ação de funcionários da Receita Federal, órgão que incluiu Gilmar Mendes, a mulher dele, a advogada Guiomar, e a mulher de Toffoli, a advogada Roberta Rangel, em uma lista de movimentações financeiras suspeitas, sem apresentar provas concretas.
O inquérito foi aberto através de portaria, e não a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), como é de costume. Embora a medida seja incomum, está prevista no Regimento Interno do STF.
A disseminação de informações falsas contra a honra de ministros do Supremo tem sido uma preocupação da Corte há alguns meses.
Montagens compartilhadas nas redes sociais, em plataformas como WhatsApp e Facebook, trazem fotos dos membros do Supremo, pedem o "fim do STF" e apontam "a toga contra o povo", chamando os ministros de criminosos. As mensagens também trazem informações falsas sobre os membros e as funções da Corte.
A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou comunicado de apoio à abertura do inquérito, afirmando que pedirá à Polícia Federal investigação para saber se ataques contra advogados brasileiros foram feitos pelos mesmos que estão atacando o STF.
MD/ebc/ots
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