A vacilante política migratória de Berlim
12 de novembro de 2015Segundo o ministro alemão das Finanças, Wolfgang Schäuble, o movimento dos refugiados poderá se alastrar como um desabamento de neve. "Uma avalancha pode ser desencadeada quando um esquiador um tanto descuidado vai até o precipício e desloca um pouco de neve", comentou o democrata-cristão nesta quarta-feira (11/11), durante um evento do Centro de Política Europeia (CEP) em Berlim.
Mais do que chefe de pasta, o político de 73 anos da União Democrata Cristã (CDU), que já ocupou numerosos cargos públicos em sua longa carreira, é uma opinião sempre ouvida com atenção e respeitada na Alemanha.
Desta vez, o ministro da Justiça Heiko Maas criticou imediatamente a comparação de seu colega de gabinete. "Gente passando necessidade não é uma catástrofe natural", escreveu o social-democrata no Twitter. "Devemos travar o debate sobre os refugiados de forma judiciosa, e não jogar lenha na fogueira com palavras."
Chuva de críticas
Visto lado a lado com as recentes boas-vindas irrestritas da chanceler federal alemã, Angela Merkel, aos recém-chegados, esse episódio se encaixa num debate maior: a indecisão da política de Berlim para com os refugiados. As regras para acolhimento dos solicitantes de asilo, sobretudo vindos da Síria, têm estado sujeitas a mudanças constantes, quase frenéticas.
O capítulo mais recente, em que o ministro do Interior, Thomas de Maizière, voltou a colocar em vigor a regra de Dublin para os migrantes sírios fez vir à tona no Parlamento alemão o descontentamento com a forma como se está lidando com a crise migratória.
No debate posterior ao anúncio, choveram críticas, até mesmo por parte do Partido Social Democrata (SPD), da coalizão de governo. Para tal, o relator da legenda para a política de asilo, Lars Castellucci, empregou uma expressão idiomática relativamente rude: "Não vamos ficar caçando uma porca diferente pelo meio da aldeia a cada semana!"
O deputado teme que agora o prazo dos trâmites para regularização dos refugiados seja dilatado, o que não fora combinado. "Esses processos precisam fazer sentido", exigiu Castelucci, dirigindo-se ao chefe da pasta do Interior.
"Falta de direção"
Os oradores dos maiores partidos de oposição – o Verde e o A Esquerda – aparentavam irritação e emocionalidade durante a confrontação no Bundestag (câmara baixa do Parlamento). A porta-voz da bancada verde para política de refugiados, Luise Amtsberg, acusou o governo de "falta de concepção e de direção".
Seu principal ponto de crítica foi o comunicado de De Maizière de que a reunião das famílias dos refugiados sírios será restringida, e de que se voltará a examinar em mais detalhe os pedidos de asilo. Amtsberg prevê, em consequência, prazos de processamento ainda mais longos para os requerimentos, por repartições que já estão sobrecarregadas. "O senhor precisa ter consciência de que desse modo está agravando a situação ainda mais", acusou.
Ulla Jelpke, porta-voz do partido A Esquerda para assuntos internos, ressaltou que, dificultando-se a reunião familiar, ficam bloqueados para os refugiados "os únicos caminhos legais para a Alemanha". Assim, ainda mais mulheres e crianças passarão a enfrentar a perigosa rota pelo Mar Mediterrâneo.
Dirigindo-se aos deputados do SPD, Jelpke pediu: "Não participem dessa política restritiva!" Os social-democratas são a segundo maior força na coalizão governamental alemã, depois do bloco conservador, formado pela União Democrata Cristã (CDU) e União Social Cristã (CSU). A também esquerdista Sevim Dagdelen apelou para a compaixão dos deputados da CDU-CSU: "Os senhores também têm família!"
Luta entre De Maizière e Merkel?
Para o porta-voz de política interna dos verdes, Volker Beck, a iniciativa do democrata-cristão De Maizière é "descarada", por contrariar as metas anunciadas publicamente por Merkel.
Beck diagnosticou "uma luta aberta de um ministro do Interior em torno da competência de uma chanceler federal para estabelecer diretrizes". Apesar de oposicionista, ele disse não poder se alegrar verdadeiramente com a briga nas alas governistas, uma vez que o conflito é travado "nas costas dos refugiados".
Diante dos parlamentares, De Maizière justificou de forma reticente suas declarações e medidas na política de refugiados. Ele disse que defende hoje um procedimento diferente do que um ano atrás, porque "a situação mudou". Como a quantidade de migrantes sírios é inesperadamente grande, seria preciso evitar que "os números elevados de refugiados tripliquem ou quadrupliquem, com a chegada das famílias".
A justificativa recebeu aplauso da bancada democrata-cristã. Atualmente, o ministro angaria mais simpatias junto à CDU-CSU do que a chefe de partido e de governo, Angela Merkel.
Caos em vez de ordem
De Maizière sublinhou o difundido mal-estar sobre a real identidade daqueles que agora procuram abrigo na Alemanha, mencionando que muitos dos que pedem asilo como sírios sequer são oriundos do país árabe. Por isso a necessidade de entrevistas orais.
Há pouco mais de um ano, o Ministério alemão do Interior estipulara que os casos dos migrantes da Síria seriam tratados sumariamente através de um processo por escrito, segundo as determinações da Convenção de Genebra. Até então, após um procedimento oral, eles recebiam uma "proteção subsidiária", menos abrangente, em que, por exemplo, as chances de uma reunião familiar eram menores. Berlim modificou esse ponto em agosto último, simplificando o ingresso da família.
Em seguida, porém, as lideranças dos partidos da coalizão – SPD e CDU-CSU – concordaram em aprovar o mais rápido possível uma lei que impede a reunião familiar antes de dois anos. Nesse ínterim houve, ainda, um confuso vai-e-vem quanto à aplicação da regra de Dublin aos sírios. A legislação da União Europeia dita que os refugiados devem apresentar seu pedido de asilo no país em que pisam o solo da UE pela primeira vez. Isso não vale, contudo, para a Grécia, de onde a maioria dos sírios vem.
Cerca de dois meses depois de o Departamento Federal de Migração e Refugiados (BAMF) anunciar no Twitter que não mais aplicaria a regra de Dublin aos recém-chegados da Síria, surpreendentemente, o ministro De Maizière voltou atrás na decisão. O vice-presidente dos social-democratas e encarregados para assuntos de migração do governo alemão, Aydan Özoğuz, comentou assim essa última reviravolta: "Não pode ser que, em vez de cuidar para que haja ordem, o ministro do Interior torne os processos caóticos, quase diariamente."