Acordo nuclear pode mudar relação de forças no Oriente Médio
15 de julho de 2015Enquanto o acordo entre o Irã e potências reunidas no grupo P5+1 – os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU mais a Alemanha – visa garantir que Teerã não produza armas nucleares, analistas alertam que ele pode levar a um aumento da interferência estrangeira na guerra civil síria e acirre as rivalidades regionais com a Arábia Saudita.
Para a Arábia Saudita, o apoio do Irã ao ditador sírio, Bashar al-Assad, às milícias xiitas iraquianas, ao Hisbolá libanês e aos houthis do Iêmen são evidências de que Teerã tem influência direta nos principais conflitos do Oriente Médio. A opinião é partilhada pela imprensa saudita e por especialistas do país.
"O Irã causou caos no mundo árabe, ampliando-o ainda mais após o acordo, e os países do CCG (Conselho de Cooperação do Golfo) devem reduzir a sua confiança na América e voltar seu foco para Rússia e China", opina Mohammed al-Mohya, apresentador do noticiário da rede estatal saudita Channel 1.
Parceria com Assad
"Só espero que não acabemos tendo guerras por procuração na região, que a Arábia Saudita não se sinta pressionada a combater indiretamente onde quer que haja influência iraniana", afirma Abdulaziz al-Sager, diretor do think tank Gulf Research Center, baseado em Jidá, na Arábia Saudita. "Se o Irã está determinado a expandir sua influência e usar sectarismo como a sua maneira de fazer isso, então acho que ele vai levar a Arábia Saudita a entrar em guerras por procuração", acrescenta.
O acordo com o Irã foi obtido num momento em que Assad – parceiro importante de Teerã há mais de três décadas – está mais enfraquecido. Seu Exército está sobrecarregado, cedendo espaço tanto para os extremistas do "Estado Islâmico" quanto para outros rebeldes.
"O Irã tem apenas um Estado aliado no mundo, que é a Síria", diz Thomas Juneau, professor da Universidade de Ottawa e ex-analista do governo canadense para o Oriente Médio. "Perder a Síria seria devastador para o Irã. Assim, o Irã está disposto a fazer muito para manter de pé o regime de Assad."
O auxílio do Irã a seu aliado em perigo – na forma de dinheiro, empréstimos, petróleo e, possivelmente, armas – já é imenso. O Irã também supostamente recruta combatentes estrangeiros, geralmente xiitas, do Afeganistão ao oeste africano, para ajudar o regime.
Influência árabe crescente
A resposta da Arábia Saudita ao acordo nuclear selado em Viena vai ajudar a definir os próximos passos de Teerã. Um maior apoio árabe aos rebeldes sunitas que lutam contra Assad pode dar força aos radicais, que querem usar a maior quantidade de recursos possível para combater a influência saudita.
Desde que o rei Salman bin Abdulaziz al-Saudassumiu o trono, em janeiro, após a morte de seu meio-irmão Abdullah, o envolvimento da Arábia Saudita na Síria vem crescendo. Facções rebeldes, que estavam em desvantagem no final do ano passado, conseguiram comemorar algumas vitórias ultimamente, graças a mais ajuda e uma melhor coordenação.
"Os sauditas estão, basicamente, liderando a estratégia para tentar coordenar as operações entre os diferentes atores no terreno", destaca Lina Khatib, diretora do Carnegie Middle East Center em Beirute. "Quando os rebeldes são mais bem coordenados, eles são mais eficazes contra o regime, porque o regime não é forte. Sem apoio iraniano, o governo terá problemas ainda maiores", avalia Andrew Tabler, especialista em Síria do Washington Institute.
O Irã pode não gostar da personalidade de Assad, mas não quer que a Síria caia nas mãos de grupos sunitas radicais. E Teerã precisa que o governo sírio ajude a proteger seus aliados no Líbano, mais precisamente o movimento xiita armado Hisbolá.
Combate ao "Estado Islâmico"
A Síria, no entanto, é apenas uma prioridade secundária para o Irã. Primeiro, ele precisa se certificar de que seu vizinho, o Iraque, que é liderado por um governo xiita, é seguro. "As forças do Irã estão voltadas para a ameaça mais iminente representada pelo 'Estado Islâmico' no Iraque", diz Amir Kamel, professor do King's College London. "O Irã tem sido mais ativo no Iraque do que na Síria, em termos de ajuda, treinamento, equipamento, política e outras formas de apoio", afirma.
Segundo o ministro do Exterior russo, Sergei Lavrov, o acordo nuclear com o Irã pavimenta o caminho para uma "ampla coalizão" contra o "Estado Islâmico", removendo "barreiras" que impediam uma frente contra o EI e outros grupos terroristas.
Segundo Lavrov, uma normalização da situação com Teerã torna possível resolver "um grande número de problemas e conflitos na região". A chefe da diplomacia da UE, Federica Mogherini, afirmou, em entrevista à imprensa italiana, que o acordo "abre caminho para uma nova confiança" no combate ao EI.
Ingerência no Iêmen
Para a Arábia Saudita, que pode estar feliz em deixar o Irã lidar com a ameaça do "Estado Islâmico" por enquanto, a principal preocupação é o Iêmen. A guerra aérea saudita contra os rebeldes xiitas houthi, que está em seu quarto mês, não tem sido muito eficaz.
Se os sauditas sentirem que estão perdendo, podem aumentar seu apoio às facções sunitas amigas – um movimento que, por sua vez, poderia ajudar a Al Qaeda e o "Estado Islâmico" no país empobrecido.
No entanto, essas preocupações se empalidecem em comparação com um cenário de pesadelo muito maior para a Arábia Saudita: um acordo nuclear que leve, a longo do tempo, a um aquecimento generalizado das relações entre Teerã e Washington depois de 35 anos de hostilidades.
"Se o acordo possibilitar uma aproximação mais ampla entre a Estados Unidos e Irã, que reforce consideravelmente a mão de Teerã sem forçar uma mudança na política iraniana na região, isso alarmaria muito a Arábia Saudita", diz Hussein Ibish, especialista do Arab Gulf States Institute, em Washington.
Os sauditas, que tiveram por muito uma relação especial com os Estados Unidos, podem, então, ser tentados a desempenhar um papel de "estraga prazer" na região.
Enquanto o governo do presidente Barack Obama deixou claro que o acordo só envolve o programa nuclear, e que continua vendo o Irã com suspeita, as autoridades em Washington terão que trabalhar para acalmar seus impacientes aliados no Oriente Médio.
MD/afp/dpa/rtr