Acusação de violência contra Fernández choca Argentina
10 de agosto de 2024Uma denúncia por violência de gênero contra o ex-presidente Alberto Fernández abalou a Argentina e entrou na agenda política do país, levando membros do governo e da oposição a se posicionarem sobre o episódio, que ocorre apenas oito meses após a saída do ex-mandatário do poder.
Nesta semana, a imprensa local divulgou que ex-primeira-dama Fabiola Yáñez, de 43 anos, havia apresentado uma denúncia à Justiça contra Alberto Fernández, que presidiu o país entre 2019 e dezembro de 2023, acusando-o de violência física e assédio. Na quinta-feira (08/08), foi a vez de o portal de notícias Infobae publicar imagens de Yáñez com hematomas no braço e no rosto, além de conversas de aplicativo que comprometem Fernández, de 65 anos.
"Você tem me agredido há três dias seguidos", disse a ex-primeira-dama em uma mensagem pelo WhatsApp. Em outro trecho, ela afirmou: "Você me agride o tempo todo. É insólito. Não pode me fazer isso quando eu não te fiz nada".
Alberto Fernández nega a violência e promete "provas" de que "a verdade dos fatos é outra".
Operação contra Fernández
Na sexta-feira (09/08), a Justiça argentina executou uma operação de busca e apreensão no apartamento de Fernández. Um celular foi confiscado durante a ação. Segundo a imprensa argentina, a medida tem o objetivo de verificar se o ex-presidente continuou "assediando" Yañez após ser notificado de que não deveria manter contato com ela.
Fernández, que permanece em sua casa no bairro de Puerto Madero e não foi visto após saber da notícia, foi denunciado criminalmente nesta semana pela mãe de seu filho caçula, Francisco, de 2 anos, por violência física e assédio.
A denúncia surgiu após a Justiça argentina, como parte de uma investigação sobre um suposto tráfico de influência do ex-mandatário, ter encontrado mensagens em junho que revelavam abuso físico por parte do então presidente.
Inicialmente, após os investigadores terem encontrado as mensagens, Fabiola Yáñez hesitou em iniciar uma ação penal contra Fernández, mas a ex-primeira-dama mudou de ideia nesta semana ao afirmar "estar sofrendo o que definiu como ‘terrorismo psicológico' por parte" do ex-presidente, que, supostamente, a submeteu a "assédio telefônico, diariamente". A ex-primeira-dama contou ainda que era agredida fisicamente quando vivia na Quinta de Olivos, residência oficial da presidência argentina.
Segundo a ordem do juiz federal Julián Ercolini, Fernández está proibido de sair da Argentina e de se aproximar de Yáñez, atualmente residente em Madri, ou de contatá-la por qualquer meio "que signifique uma interferência injustificada”.
"Hipocrisia progressista"
Assim que a denúncia começou a circular, o presidente de ultradireita Javier Milei se apressou para denunciar em sua conta no X o que chamou de "hipocrisia progressista" e qualificar como "fraude" as políticas de igualdade de gênero promovidas por Fernández.
Em uma conferência na sexta-feira, o porta-voz do presidente Milei, Manuel Adorni, também criticou os "milhões de dólares gastos por todos os argentinos" em políticas como a criação do Ministério das Mulheres, lançado na época por Fernández e dissolvido por Milei em dezembro do ano passado.
Para o analista político Marcos Novaro, a situação beneficia o governo Milei: "Ele está tentando tirar o máximo proveito possível da revelação das hipocrisias do progressismo e das misérias morais de seu adversário, o que obviamente ajuda o governo", disse à agênci AFP.
O veterano deputado da oposição Miguel Ángel Pichetto considerou, em uma entrevista na rádio na sexta-feira, que "o caso de Alberto Fernández é a explicação mais convincente do porquê Milei governa a Argentina" e acusou o ex-presidente de ter uma "moral dupla".
As críticas a Fernández também vieram de seu próprio campo político. Sua ex-vice-presidente e desafeta política, Cristina Kirchner, escreveu no X que, além do fato de Fernández "não ter sido um bom presidente", as imagens divulgadas revelam "outra coisa". "Revelam os aspectos mais sórdidos e obscuros da condição humana", disse Cristina, que governou a Argentina entre 2007 e 2015.
Novaro considera que Alberto Fernández "já era um cadáver político antes de que esse escândalo estourasse, porque a sociedade o rejeita e o próprio peronismo, o kirchnerismo em particular, se dedicou a atribuir a ele todas as responsabilidades por uma gestão fracassada".
Kirchner não foi a única a criticar o mandatário. A dirigente feminista Ofelia Fernández o chamou de "psicopata", mas, ao mesmo tempo, criticou aqueles que "nunca na vida acreditaram em uma mulher que denunciava e agora querem se aproveitar disso".
Por sua vez, o dirigente social e pré-candidato presidencial em 2023, Juan Grabois, afirmou que espera "que todos os segredos sejam revelados" e convocou uma "purga" dentro do campo da centro-esquerda local.
jps (AFP, EFE, Reuters)