Africano "Timbuktu" é boa surpresa em competição
16 de maio de 2014Uma mulher grita de dor, antes de irromper numa canção, enquanto recebe 80 chibatadas; uma outra é executada, sob uma chuva de pedras. Em cenas impactantes, Timbuktu retrata a ocupação islâmica do norte de Mali, África, e é um dos candidatos à Palma de Ouro, na 67ª edição do Festival Internacional de Cannes.
Nesta quinta-feira (15/05), primeiro dia de competição na Côte d'Azur, o drama foi uma das boas surpresas, comovendo boa parte da crítica. Ponto de partida para o diretor mauritano Abderrahmane Sissako, de 52 anos, foi uma execução em 2012, na pequena cidade de Aguelhok, no Mali: um jovem casal foi apedrejado até a morte, diante de centenas de espectadores, por viver junto fora do casamento.
O roteiro da coprodução França-Mauritânia tem como pano de fundo histórico o domínio do norte do Mali por grupos fundamentalistas islâmicos, em 2012. Eles passaram a implantar a charia, lei islâmica tradicional, de forma rigorosa e aparentemente arbitrária. Assim, proibiram o fumo, a música e o jogo de futebol, e as mulheres tinham que usar luvas e meias, além do chador (véu ou capa aberta tradicional).
Coragem dos que viveram a história real
Mas os habitantes da cidadezinha enfocada em Timbuktu se rebelam, algumas mulheres se recusam a vestir luvas, os jovens tocam música, apesar da proibição. Numa cena especialmente tocante, um grupo de rapazes dribla, cheio de entusiasmo, num empoeirado campo de futebol – mas sem bola: eles só jogam com a imaginação.
Abderrahmane Sissako tece o enredo em torno do casal Kidane e Satima em imagens tanto poéticas quanto insuportavelmente cruéis. Ele concentrou as filmagens na cidade-oásis de Oualata, na Mauritânia. Seu elenco inclui refugiados de Mali e gente que teve contato com os fundamentalistas na época da ocupação do país.
Durante a coletiva de imprensa em Cannes, nesta quinta-feira, o cineasta mauritano não conteve as lágrimas, e explicou: "Eu choro no lugar daqueles que viveram este sofrimento real. Coragem de verdade é a de quem viveu esses momentos dia a dia. Eles travaram um combate silencioso."
Por outro lado, ele procurou retratar os jihadistas com humanidade, ao invés de mostrá-los como militantes fanáticos e sedentos de sangue: "Em cada ser há complexidade, há mal e também há bem." "É importante dizer que o jihadista é alguém que se assemelha a nós e que, sem dúvida, em algum ponto da vida tropeçou para dentro de algo", enfatizou Sissako.
Além de Timbuktu, outros 17 longas-metragens também concorrem ao prêmio máximo do Festival de Cannes, que se realiza até 25 de maio.
BWS/dpa/afp