Ajuda para os que não podem escapar de Kiev
19 de março de 2022Cerca de 2 milhões, quase a metade da população total, deixaram Kiev desde que o exército russo começou a bombardear a capital ucraniana. Entre os que ficaram para trás, estão muitos idosos sozinhos e sem condições de ser transportados.
A maioria das lojinhas privadas de esquina há muito está fechada, o transporte público raramente funciona. Mas os grandes supermercados ou farmácias que ainda estão abertos são pouco acessíveis para muitos idosos e doentes. Cada vez mais eles dependem de organizações de voluntários para obter alimentos e remédios.
"Do que eu ainda deveria ter medo?"
Maria Vasilivna, 75 anos, vive só em Kiev: a filha está no exterior e não pode ajudá-la. Ela reclama que as pequenas lojas da vizinhança estão todas fechadas desde 24 de fevereiro; o supermercado mais próximo fica a 1,5 quilômetro, distância que ela não consegue mais vencer a pé.
"Minhas pernas não dão mais conta. Só saio até o pátio, sento num banco e dou comida aos gatos de rua. Para isso uma vizinha me deixou sete quilos de ração. Eu mesma só tenho pão seco em casa."
Vasilivna não quer deixar Kiev e ir para um lugar seguro – e nem teria ideia para onde. Ela não sabe nada sobre as organizações de assistência que atualmente levam pacotes de mantimentos para os necessitados, gratuitamente.
"Eu vejo televisão, ouço as explosões por toda parte, posso até mesmo dizer de que direção elas estão vindo. Mas eu não tenho medo, já estou velha. A gente tem que morrer algum dia; então do que é que eu ainda vou ter medo? A única coisa que me preocupa é que eu não posso ajudar em nada."
"Não posso deixar minha mãe sozinha"
Enquanto Maria Vasilivna está sozinha, Svitlana, de 52 anos, optou por ficar na Ucrânia para cuidar da mãe de 81 anos. Vítima de um derrame logo após o ataque russo, desde então não consegue se mover sozinha e tem dificuldade para falar.
Svitlana vive no bairro de Podil, no último piso de um prédio de cinco andares, sem elevador. "Ficamos em casa o tempo todo, não posso nem mesmo ir para o abrigo antiaéreo, porque não quero deixar minha mãe sozinha."
Metade dos habitantes deixou a cidade, mas os demais estão se mantendo unidos. "Se chegarmos ao mesmo estado de Mariupol, vão me ajudar, carregar a minha mãe para baixo e levá-la até um esconderijo". Nos mantemos informados sobre onde e o que é possível comprar. Trazemos comida e remédios uns para os outros", diz Svitlana.
Explosões e tiroteios assustadores
Há alguns dias, um míssil russo derrubado pelas defesas aéreas ucranianas caiu do céu a apenas 150 metros de sua casa, danificando gravemente um prédio de escritórios. As explosões e tiroteios deixam Svitlana angustiada.
"Meu corpo inteiro treme então, minhas pernas e meus braços. Preciso de uma até conseguir adormecer novamente. É bom que a minha mãe seja um pouco surda, e só percebe algo quando as janelas tremem", diz ela.
No momento, Svitlana não precisa trabalhar. O teatro estudantil da Academia Mohyla de Kiev está fechado por causa da guerra. Mas tanto oseu salário quanto a pensão de sua mãe continuam sendo pagos regularmente.
Os bons felinos de Kiev
Enquanto isso, muitos voluntários da organização Gatos de Pechersk, cujo nome vem de um dos distritos centrais de Kiev, cuidam de quem precisa de ajuda, no bairro com cerca de 1.500 necessitados.
"Fazemos parte da organização maior Gatos de Solomiansk, que ajuda os residentes do distrito de mesmo nome da capital", diz Dmitro Geochanivski, que está de plantão como voluntário.
Desde que Kiev começou a se defender dos ataques russos, numerosas estruturas do gênero surgiram espontaneamente, além das organizações de voluntários que já existem desde os protestos na Praça da Independência (Euromaidan) e o início da guerra russa contra a Ucrânia, em 2014.
Os voluntários dos Gatos de Pechersk se instalaram num café perto do Monumento ao Soldado Desconhecido da Segunda Guerra Mundial, onde agora há um depósito de alimentos. Uma linha direta também coordena a distribuição de comida, artigos de higiene e remédios para idosos e doentes.
"Não sei dizer quantos estão ajudando, todos os dias há bastante movimento. Geralmente são dezenas trabalhando aqui, todos os dias. Todos em caráter absolutamente voluntário; também não há uma lista fixa de tarefas", relata Geochanivski.
"Se eu fosse, meu coração não estaria no lugar certo"
Segundo o voluntário ucraniano, toda a ajuda provém de doações do armazém central da organização. Na distribuição, os ajudantes se orientam pelas necessidades de quem precisa de ajuda.
"Na maioria, são aposentados, doentes e idosos. Mas não só: também ajudamos a Defesa Territorial e os hospitais. Acabamos de distribuir mais de mil frascos de óleo de cozinha para que os cidadãos tenham ao menos um suprimento mínimo, caso haja um bloqueio da cidade."
A maior parte dos voluntários são jovens, muitos são estudantes. Uma delas é Oksana, de 19 anos. Ela conta que poderia ter ido se hospedar com parentes no oeste do país, ou com conhecidos na União Europeia. Mas optou por ficar em Kiev e ajudar os necessitados.
"No início, é claro, tinha medo quando ouvia explosões e tiros nas ruas. Mas agora eu não tenho mais: se eu fosse embora daqui, meu coração não estaria mais no lugar certo", afirma, colocando a mão no peito.