Alemanha acena com mudança na política de missões militares
19 de fevereiro de 2014A alusão à nova política externa alemã surgiu de forma um tanto oblíqua: em entrevista a uma funcionária do Escritório Franco-Alemão para a Juventude (DFJW, em alemão), divulgada como vídeo-podcast, a chanceler federal Angela Merkel se referiu pela primeira vez ao Tratado do Eliseu e louvou a mobilização das tropas de seu país, na segunda linha de combate.
"Nós apoiamos as Forças Armadas francesas no Mali ajudando no abastecimento dos aviões", comentou a chefe de governo, para só então tocar o cerne da questão: "É certamente possível haver mais cooperação."
Poucos discordarão dela: há 25 anos a cooperação militar entre França e Alemanha se arrasta; há 25 anos ambos mantêm uma brigada comum de 6 mil soldados, mas que nunca foi mobilizada como um todo, apesar das pressões de Paris.
Há muitos anos Paris pede ajuda ao governo alemão para suas operações militares, sobretudo na África, enquanto a Alemanha sistematicamente evita se envolver, mesmo quando se trata de missões univocamente humanitárias. No máximo o país envia alguns paramédicos ou treinadores militares – como agora para o Mali – ou disponibiliza material.
Aliança em questão
Do ponto de vista francês, os últimos quatro anos foram especialmente decepcionantes. Enquanto se tornava cada vez mais dominante em termos econômicos, a Alemanha de Merkel se fazia cada vez menor na política externa e de segurança.
O ex-ministro das Relações Exteriores Guido Westerwelle promoveu oficialmente a estratégia de se esquivar à categoria de "cultura da moderação". E o ex-ministro da Defesa Thomas de Maizière respondeu com rechaço sumário às reivindicações de Paris por mais engajamento militar: a Alemanha, argumentou, não precisa de lições de seus parceiros.
"Nos meios da política externa e de segurança França, as pessoas se perguntam se a Alemanha ainda é sequer capaz ou está disposta a participar de uma aliança", diz Stefan Seidendorf, do Instituto Franco-Alemão de Ludwigsburg.
Somente considerando-se todas essas circunstâncias, fica claro por que as extremamente cautelosas declarações de Merkel sobre a cooperação franco-alemã foram interpretadas por diversos analistas, em ambos os países, como uma guinada na política externa e de segurança de Berlim.
No total, a atual coalizão federal conservadora-socialista, eleita em setembro de 2013, exibe uma postura bem diferente do governo anterior. Não apenas o presidente Joachim Gauck, mas também os ministros das Relações Exteriores, o social-democrata Frank-Walter Steinmeier, e da Defesa, a democrata-cristã Ursula von der Leyen, reivindicam maior empenho militar alemão.
Em seu mais recente giro pela África, Von der Leyen deixou vislumbrar que seu país ainda tem contingentes militares disponíveis, apesar da missão no Afeganistão. Mais uma vez, a mensagem básica foi: no futuro, a Alemanha vai assumir mais responsabilidade. E, como assegurou a chanceler federal, carga da França vai ser partilhada.
Tiro de advertência
No entanto ainda há dúvidas. Na visão de Seidendorf, o que está por trás do reposicionamento de Berlim não é uma convicção interior, e sim a impaciência crescente dos parceiros na União Europeia. "Na última cúpula da UE ficou demonstrado que não há mais como se manter a 'política da moderação' propagada por Westerwelle", diz o cientista político.
O sinal mais explícito nesse sentido foi o anúncio, pelo presidente da França, François Hollande, da retirada do último regimento francês estacionado na Alemanha. "O caso em torno do regimento em Donaueschingen foi o último disparo de advertência, para fazer o governo alemão entender: 'Se vocês não querem, se não podem, então vamos ter que procurar outros parceiros'", opina.
Ao que tudo indica, a chanceler alemã compreendeu esse tiro de advertência. Contudo, até o momento há poucos indícios de que por trás do novo tom na política externa esteja, de fato, um novo senso de responsabilidade alemão. Há pouco Merkel realmente concordou com uma nova missão europeia na África Central, para dar fim às sangrentas lutas entre cristãos e muçulmanos: o trabalho militar mais arriscado, no entanto, ela prefere deixar para os outros.
Corretivo ao passado colonialista francês
Muitos dos parceiros na União Europeia se irritam com o fato de Berlim só dizer o que não quer, em vez de apresentar suas próprias sugestões para uma melhor política de segurança. Em especial na África, há motivos suficientes para a Alemanha assumir mais responsabilidade, afirma Stefan Seidendorf, pois grande parte dos conflitos naquele continente favorece o avanço do fundamentalismo islâmico e a formação de novas ondas de refugiados.
Um maior comprometimento alemão poderia também ajudar a minorar os velhos erros da política francesa para a África, a qual se encontra numa fase de transição, acrescenta o cientista político de Ludwigsburg.
Enquanto missões passadas, por exemplo, na Costa do Marfim, ainda estavam sob a influência de motivos pós-colonialistas, as operações no Mali e na África Central mostraram que atualmente a França está mais ocupada da ajuda humanitária e da estabilização na região.
Assim, conclui Seidendorf, o apoio alemão na África não iria apenas acelerar e assegurar a mudança positiva na política de segurança francesa: "Justamente em algumas ex-colônias francesas, um auxílio europeu seria mais bem recebido pela população do que uma iniciativa puramente francesa, quanto à qual continua havendo certas reservas."