Mais caipirinha
29 de janeiro de 2012Não apenas cerveja tem regado as festas na Alemanha. O país é o maior importador de cachaça do Brasil, respondendo por quase um terço da demanda externa. No ano passado, os alemães consumiram 3 milhões de litros de aguardente de cana – 6% a mais que em 2010. O faturamento com as vendas chegou a 3,2 milhões de dólares. Grande parte dessa cachaça vira ingrediente para as caipirinhas, ou caipi, como são carinhosamente chamadas pelos consumidores no país.
Os exportadores de cachaça comemoram valores recordes de vendas em todo o mundo. De 2010 para 2011, o setor registrou um aumento de 8,35% no montante alcançado com as vendas, que bateu na casa dos 17,2 milhões de dólares no ano passado. Além da Alemanha, Bolívia (que compra 10,1% da cachaça exportada), Paraguai (8,7%), Portugal (8,3%) e Estados Unidos (5,5%) estão, respectivamente, entre os maiores importadores da aguardente de cana brasileira.
A boa imagem do Brasil no exterior – e, com ela, a aceitação da cachaça pelos paladares estrangeiros – é considerada um dos principais motivos para o chamado "boom da caipirinha". O caminho trilhado até que a brasileiríssima pinga se tornasse um sucesso de vendas no exterior não foi fácil. Leila Lopes, coordenadora de mercados internacionais da cachaça Pitu, conta que ao longo dos 42 anos de atuação na Alemanha foram necessárias algumas mudanças estratégicas para que a bebida ganhasse respeito e espaço nas prateleiras dos mercados do país.
"Inicialmente, a gente não oferecia uma embalagem diferenciada. Nossa cachaça era comercializada em garrafa comum de cerveja, por isso não era considerada apropriada para concorrer no mercado internacional", conta Lopes, explicando que desde os anos 1970 a bebida é exportada do Brasil, mas engarrafada na Alemanha.
Segundo ela, foi necessária outra adaptação na fórmula da bebida. "O produto no Brasil é adoçado. Já o exportado não é, por exigência do consumidor", revela. Surfando na boa onda de aceitação da bebida brasileira, o importador da Pitu na Alemanha – que, segundo Lopes, já responde por 64% do mercado alemão – oferece uma grande variedade de produtos, além da tradicional cachaça, com a marca da empresa: copo, socador, triturador de gelo, camiseta e até limão.
Nada de euforia
Apesar do valor recorde de cachaça vendida para além das fronteiras do Brasil, o levantamento do Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac) não animou os exportadores. Isso porque, considerando o volume exportado da bebida, observou-se uma queda de 6,13% na quantidade de litros da cachaça comprada por mais de 60 países.
"Com o real valorizado em relação ao dólar, exportar qualquer coisa do Brasil ficou muito complexo e desafiador. E a cachaça não foge desse cenário", explica o presidente do Ibrac, Cesar da Costa Rosa, ressaltando que, para compensar a valorização do real, foi necessário aumentar o preço dos produtos no mercado externo.
A dificuldade se refletiu na queda do número de empresas que atualmente se aventuram no exterior. Costa Rosa conta que há dois anos o instituto registrava 189 exportadores de aguardente de cana, animados com um crescimento anual que até então chegava a 15%. Em 2011, porém, apenas metade deles estava em atuação. "No ano passado, as exportações de microprodutores de Minas Gerais chegaram a cair 95%", afirma o representante, que ainda aponta o aumento de 70% no custo da matéria-prima como outra barreira.
Crise do euro
Como a maior parte da cachaça exportada para a Alemanha é transportada antes de ser engarrafada, os efeitos da valorização do real se refletiram menos no mercado alemão. No entanto, dados sobre outros países europeus mostram que a crise do euro também atingiu em cheio o consumo de cachaça no continente. Na França, por exemplo, houve uma queda de 46,6% no consumo, em litros, da bebida brasileira em 2011, de acordo com o levantamento do Ibrac. Na Holanda, a redução foi de 41% e, na Espanha, de 27,22%.
Costa Rosa, que também dirige a empresa Velho Barreiro, conta que foram grandes as dificuldades encontradas para vender no mercado europeu no ano passado. O recorde no volume exportado registrado em 2011 – quando a fabricante de cachaça vendeu 1,6 milhão de litros fora do Brasil – foi obtido graças a vendas nos Estados Unidos, América Latina e África. "Na Espanha, nossas vendas chegaram a cair 45% em termos de volume. Na Europa, a exceção foi Portugal, que não registrou queda", conta Costa Rosa.
Classes A e B
O sucesso no exterior e os maiores investimentos na qualidade da cachaça vêm ajudando a bebida a conquistar novos e exigentes consumidores também dentro do próprio Brasil. Antes restrita às classes C e D, a cachaça vem sendo cada vez mais consumida pelas classes A e B, que consumiam mais vodka e uísque.
As marcas ganharam versões mais refinadas, como as envelhecidas em barris especiais, novas embalagens e sabores. As empresas passaram a investir mais em capacitação de mão de obra e marketing.
"Ainda não se serve cachaça num casamento no Brasil, por exemplo. Vemos que a bebida ainda é um pouco marginalizada no país", diz Leila Lopes. Confiante, porém, ela acredita que este é um cenário que, desde 2002, quando a cachaça recebeu um reconhecimento oficial do governo como produto típico brasileiro, está mudando.
Autora: Mariana Santos
Revisão: Soraia Vilela