Alemanha subestimou risco da covid-19, diz reportagem
18 de maio de 2020O primeiro relato do novo coronavírus foi feito ao mundo no final do ano passado e pouco menos de um mês depois a covid-19 chegou à Alemanha. Apesar de sinais, autoridades alemãs teriam subestimado a doença por semanas e, assim, demorado para implementar de um plano da ação com medidas para conter o avanço da pandemia, segundo mostra uma reportagem feita pelo jornal Welt am Sonntag e pela emissora pública Bayerischer Rundfunk (BR).
De acordo com a reportagem, em 31 de dezembro, o ProMED, uma rede eletrônica global para monitorar novas doenças infecciosas, lançado em 1994, enviou um e-mail sinalizando o surto de uma forma desconhecida de pneumonia na China. O Instituto Robert Koch (RKI), responsável pelo controle de doenças na Alemanha, foi um dos destinatários desse e-mail. Essas informações deveriam ter desencadeado a implementação de medidas preventivas.
Em 2012, o governo alemão publicou um relatório de análise de risco destinado a proteger a população. O documento foi elaborado em resposta a um surto de Sars e detalha medidas específicas a serem tomadas para conter uma epidemia viral, sugerindo o fechamento de escolas e o cancelamento de grandes eventos.
Porém, várias semanas se passaram, desde a chegada do primeiro relato da nova doença, até que isso acontecesse.
"O que podemos ver aqui é mais brando que um surto de gripe", chegou a dizer o ministro alemão da Saúde, Jens Spahn, sobre a nova doença, em 23 de janeiro a uma emissora pública de televisão.
No final de janeiro, o estado da Baviera, no sul da Alemanha, registrou os primeiros casos de covid-19, a maioria com sintomas leves. Ao olhar para o passado, médicos e funcionários dizem que essa situação foi enganosa e fez com que eles assumissem rapidamente que a doença poderia ser tratada de forma fácil.
"Se a situação tivesse começado com casos graves, o perigo poderia ter sido avaliado de forma diferente", disse o médico Clemens Wendtner, do hospital do bairro de Schwabing, em Munique, onde os primeiros pacientes foram tratados.
Em 29 de janeiro, a comissão parlamentar de Saúde no Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão) debateu pela primeira vez o coronavírus. Foi o último ponto da agenda daquele dia. Na época, o presidente do RKI, Lothar Wieler, aproveitou a oportunidade para criticar a política de informações da China e apontou que ainda não estava claro como o vírus poderia ser transmitido. Uma transcrição da reunião mostra que o relatório de análise de risco sequer foi mencionado nas discussões.
Duas semanas depois, em 12 de fevereiro, o ministro alemão da Saúde disse ao Parlamento que não havia perigo real de uma pandemia. Spahn afirmou na ocasião que a situação do coronavírus na Alemanha estava "sob controle", o que mostra que "nos preparamos bem e estamos tomando grandes precauções."
O deputado federal do partido A Esquerda Achim Kessler se queixou que até então a ameaça estava sendo minimizada. "Fomos informados de que a Alemanha tinha planos de contenção para uma pandemia de gripe e que esses estavam sendo adaptados ao vírus atual e que tudo isso transcorria sem nenhum problema", disse.
Segundo a pesquisa mais recente, o governo em Berlim considerou pela primeira vez uma quarentena total no final de fevereiro. Funcionários do Ministério do Interior da Alemanha discutiram se as medidas de isolamento social poderiam representar um problema de segurança interna. Nenhuma ação foi tomada e a Alemanha festejou o Carnaval.
Enquanto isso, a avaliação oficial de risco para a Alemanha permaneceu "baixa", segundo RKI. "O coronavírus chegará à Alemanha", disse Wieler, em 24 de fevereiro. "Mas não explodirá. Em vez disso, será lento e afetará certas regiões."
Em 26 de fevereiro, especialistas do Ministério do Interior se reuniram em Berlim, segundo atas confidenciais da reunião obtidas pela reportagem. Nesse encontro, foi mencionada a grave escassez de máscaras faciais. Os participantes também discutiram a proibição da exportação de equipamentos de proteção.
Em 2 de março, a comissão parlamentar de Saúde se reuniu novamente. Os membros discutiram o cancelamento de grandes eventos públicos. O ministro da Saúde, no entanto, apontou que caberia a cada estado decidir sobre a questão e que o governo em Berlim não deveria dar a impressão de estar lhes dizendo como fazer seu trabalho.
Foi preciso mais uma semana para os primeiros eventos serem cancelados. Em 11 de março, a OMS declarou uma pandemia mundial.
Uma semana depois, em 18 de março, a chanceler federal alemã, Angela Merkel, fez um raro pronunciamento na TV, pedindo que a ameaça fosse levada a sério. Ela classificou a pandemia como o "maior desafio desde a Segunda Guerra Mundial" para a sociedade alemã.
Foram precisos 78 dias, desde os primeiros relatos do surto, para que o governo alemão apresentasse uma resposta para conter o avanço da covid-19, apesar de vários alertas neste período.
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