"Alemanha tolerou demais o islã conservador"
8 de janeiro de 2016"Nós, a sociedade alemã, nos adaptamos demais à essa divisão de papéis [entre homens e mulheres] do islã conservador", afirmou a especialista em islamismo Lale Akgün, que foi deputada pelo Partido Social-Democrata da Alemanha (SPD) entre 2002 e 2008, em entrevista à DW.
Akgün, que mora em Colônia e é de origem turca, estuda há anos o fundamentalismo e o conservadorismo islâmico. Segundo ela, é uma abordagem errada, por exemplo, oferecer cursos de alemão só para mulheres às imigrantes recém-chegadas porque senão os maridos delas não as deixariam participar. "Temos que deixar claro para essas pessoas que, se elas querem se beneficiar do nosso sistema social e viver aqui, têm que aceitar as normas sociais."
Ela afirmou que o islã apresenta uma imagem da mulher que só comporta "bom" e "ruim". "A interpretação literal do Alcorão, segundo a qual a mulher vale a metade do homem, ilustra o sistema patriarcal do islã", disse. "Para esses homens, mulheres que vivem exatamente o oposto do que prega o imã na mesquita são prostitutas."
DW: Pouca coisa se sabe sobre os homens que assediaram sexualmente dezenas de mulheres nos festejos de Ano Novo em Colônia. Há informações de que eles viriam de países de cultura muçulmana. Neles, muitas vezes casais não podem segurar as mãos ou se beijar em público, e as mulheres têm que se cobrir. Qual o impacto de um código de conduta tão rigoroso sobre a imagem da mulher e a sexualidade de homens adolescentes que vêm dessa região?
Lale Akgün: Carinho, amor ou uma vida a dois são separados da sexualidade. A sexualidade é vista como algo ruim ou cruel, que é tolerado, no máximo, dentro do casamento, para a procriação. Isso cria na mente dos homens a ideia de que sexualidade é um tabu. Na Europa Ocidental, eles experimentam o oposto. As mulheres podem andar em público de mãos dadas com o parceiro delas e se vestem de forma mais liberal. Para esses homens, mulheres que vivem exatamente o oposto do que prega o imã na mesquita são prostitutas, objetos de desejo e desprezo.
Assim, há dois extremos que se opõem: a mulher adorável e honrada e a mulher sem honra?
A imagem que esses homens têm da mulher só comporta "bom" e "ruim". As mulheres são muitas vezes tidas como sedutoras de homens. A interpretação literal do Alcorão, segundo a qual a mulher vale a metade do homem, ilustra o sistema patriarcal do islã, cujos seguidores ainda acreditam que o islã não é uma religião, mas um modo de vida.
Eu sou muçulmana. Para mim, religião é algo privado para a minha alma. Para fundamentalistas, é a fundamentação da vida. Eles não conseguem conciliar sua fé com o mundo moderno. A fé deles está ligada a um sistema de valores e a um estilo de vida que continua preso à Península Arábica do século 7.
Como uma imagem fundamentalista islâmica das mulheres encontra lugar numa sociedade moderna?
Isso acontece no momento em que o islã se torna político. Na década de 80, relevamos as correntes fundamentalistas. Naquela época se pensava que a sociedade deveria suportar essa evolução. Suportamos e ignoramos isso por tanto tempo que isso atingiu a nós mesmos. Um exemplo é a estilização do véu islâmico como um enriquecimento da sociedade multicultural. Isso é um absurdo. O véu também é um sinal da opressão das mulheres. Quem promove e incentiva essa imagem da mulher não deve se surpreender se os homens dessa mesma comunidade considerarem mulheres sem lenço na cabeça como "fáceis".
Liberdade de religião e tolerância criaram um mundo paralelo?
A liberdade de religião não é um mundo paralelo enquanto a religião for uma questão privada. Mas quando a religião é politizada e atrai decisões políticas para si, então não devemos aceitar isso passivamente. Nesse momento ela intervém em nossas vidas. Por exemplo quando eu passo a ter que pensar, como mãe, se minha filha deve ir para uma turma onde a professora usa o véu islâmico. Será que minha filha deve receber a imagem de uma mulher segundo a qual as mulheres têm a obrigação de se esconder dos olhos dos homens? Se você não reconhece essas conexões, então você vê esses jovens que agarraram mulheres como um fenômeno isolado. Mas eles não são. Eles são parte do problema.
Mas educação e transmissão de um conjunto de valores ocorre principalmente pelos pais e não pela religião. Qual o papel da mulher nas famílias muçulmanas? Ela não pode intervir de forma corretiva?
O poder dos homens só pode ser preservado se o sistema for preservado. E isso só pode acontecer se eles dão a entender às mulheres que o sistema em que vivem é o melhor. Eles dizem: "Veja como as mulheres europeias são exploradas, elas têm que trabalhar, ter filhos e fazer tudo. Já vocês podem ficar em casa, se enfeitar e se alegrar quando seu marido chegar de noite."
Nós, a sociedade alemã, nos adaptamos demais à essa divisão de papéis do islã conservador. É uma abordagem errada, por exemplo, oferecer cursos de alemão só para mulheres às imigrantes recém-chegadas porque, do contrário, os maridos delas não tolerariam que elas participassem. Temos que deixar claro para essas pessoas que, se elas querem se beneficiar do nosso sistema social e viver aqui, elas têm que aceitar as normas sociais.
Quem é responsável por esta tendência retrógrada conservadora? As pessoas, a mídia, os políticos, a religião?
Se você observar que ideologia o Conselho Central dos Muçulmanos na Alemanha defende, vai reconhecer que a integração não pode ser feita através dessas associações. A não ser que você queira aumentar o problema atual. O islã não precisa de organizações. Essas associações são a desesperada tentativa do meio político de forjar um interlocutor. Se os políticos não derem uma meia-volta e continuarem a cooperar com essas associações islâmicas conservadoras, o islamismo conservador estará estabelecido na Alemanha nas próximas décadas.