Alemães deveriam liberar mais informações sobre nazistas, diz historiador
9 de junho de 2006A Agência Central de Inteligência (CIA) norte-americana liberou recentemente 27 mil páginas de arquivos operacionais da era pós-Segunda Guerra Mundial. Durante o período, os Estados Unidos encobriram a identidade de ex-nazistas e os usaram como espiões contra a antiga União Soviética durante a Guerra Fria.
Timothy Naftali é um dos quatro acadêmicos do chamado Grupo de Trabalho sobre Crimes de Guerra Nazistas e Arquivos do Governo Imperial Japonês, encarregado pelo governo norte-americano de examinar e interpretar o material liberado.
Numa conferência de imprensa no começo desta semana, o historiador disse que os registros mostram que a CIA e a antiga Alemanha Ocidental cooperaram para encobrir o paradeiro do criminoso de guerra nazista Adolf Eichmann em 1958 – época em que Israel desistiu de procurá-lo por falta de pistas.
Os arquivos colocados recentemente à disposição do público também mostram que a CIA e a Alemanha Ocidental suprimiram parte do diário de Eichmann que poderia ter comprometido Hans Globke, o conselheiro para segurança nacional do então chanceler federal alemão Konrad Adenauer. Globke ajudou na concepção das Leis de Nurembergue durante o regime nazista (as leis de perseguição aos judeus). No governo de Adenauer, ele era a principal ligação com a CIA e com a Otan.
DW-WORLD: Quais foram as maiores surpresas que vieram à tona com os documentos da CIA?
Timothy Naftali: Através da análise de outros documentos previamente liberados, obtivemos algumas informações, em 2004, que mostravam a amplitude com que a organização Gehlen (o protótipo do serviço de inteligência alemão que os americanos fundaram sob o comando de Richard Gehlen, que havia sido chefe da espionagem de Hitler na frente oriental) recrutou alguns nazistas com passado criminoso.
O que me surpreendeu foi a amplitude da falta de supervisão, por parte do governo norte-americano, sobre a organização comandada por Gehlen. Desta vez, eu achei a informação sobre Eichmann muito interessante, mas não de todo surpreendente por saber que a perseguição a Eichmann não fazia parte da política norte-americana.
Era política oficial deixar a perseguição de nazistas para os alemães?
Após o fim dos julgamentos de desnazificação, era realmente política dos Estados Unidos deixar esse trabalho para os alemães... Era uma forma de reconhecer a soberania alemã.
É certo que a CIA e o governo alemão ocidental se esforçaram para proteger o responsável pela segurança nacional no governo Adenauer, Hans Globke. Não era sabido que ele havia sido membro ativo do regime nazista?
Eu não posso entender o estado de alarme – evidente no governo alemão, pelo menos no serviço de inteligência alemão-ocidental – após a prisão de Eichmann. Afinal de contas, Globke estava envolvido, na época, numa controvérsia pública com um homem chamado Max Merten, que alegava que Globke havia participado na decisão do destino dos judeus de Salônica, na Grécia.
O que Eichmann poderia ter acrescentado que poderia haver alterado a posição de Globke na questão? Eu não sei. Eu apenas posso confirmar o estado de alarme, evidente no documento.
É muito difícil fazer história internacional a partir de um dos lados... É mesmo uma vergonha que o governo alemão se recuse a liberar suas informações sobre esse assunto. Eu não posso entender por que Berlim não pode liberar os arquivos do BND (Serviço Federal de Informações) sobre Eichmann. Por que não? Eu gostaria de saber sobre o que o governo alemão-ocidental tinha contra Eichmann e sobre as decisões feitas em primeiro escalão entre Adenauer e Globke sobre o que fazer com Eichmann. Essa é a grande questão.
O historiador comenta ainda a omissão
da sociedade civil alemã.
É possível que apareçam mais informações por parte dos países europeus ocidentais que participaram da Segunda Guerra Mundial?
Isso não é nosso trabalho. Nosso trabalho é liberar arquivos do governo norte-americano, não arquivos de outros países. Acredito que isso é tarefa da imprensa, dos intelectuais e do povo alemão. Acho intessante que, quando os EUA divulgam informações sobre Eichmann, isso tenha tanta repercussão na Alemanha. Mas não há uma continuação de investigação por parte do governo alemão.
Antes de mais nada, os acadêmicos alemães deveriam estar pressionando o seu governo. "Por que vocês não podem fazer o mesmo? Por que vocês não podem ser tão abertos como o governo dos Estados Unidos? O que vocês estão escondendo?" O que eu quero dizer é que a CIA está disposta a liberar material que prejudica sua imagem. Por que o BND não libera material para ter uma história aberta do seu passado? Do que ele tem medo?
O senhor ficou surpreso com a cobertura recebida sobre aquilo que essencialmente era um relatório do estágio da sua pesquisa?
Achei notável o fato de que a cobertura de imprensa sobre a minha pesquisa teve como foco aquilo que a CIA não fez. De fato, no final dos anos de 1950, a caça de nazistas era um assunto principalmente dos alemães ocidentais. E eu estava surpreso que os jornais alemães não tenham escrito: "Por que protegemos esse criminoso de guerra?".
Talvez proteger seja uma palavra muito forte. Por que eles não perguntaram: "Por que nos contentamos em deixá-lo viver no exílio? Do que tínhamos medo que ele falasse?". Esse não é um assunto americano. Esse é um assunto alemão.
Elizabeth Holtzman, membro do grupo de trabalho, falou que os documentos "nos forçaram a nos confrontar não somente com os prejuízos morais, mas também com os prejuízos práticos" em confiar serviços de inteligência a ex-nazistas. Que conclusões o senhor tira do uso de fontes maculadas para conseguir informações?
O argumento moral é bem conhecido. Mas o contra-argumento sempre foi: "Bem, essas pessoas são úteis, e algumas vezes temos que fazer concessões em nível moral". Tudo o que posso dizer é: as pessoas podem agora ter acesso aos arquivos operacionais desses indivíduos, e elas mesmas podem tirar suas próprias conclusões sobre se ter feito concessões em nível moral foi útil operacionalmente. E esse indivíduos costumavam não ser úteis.
A Segunda Guerra Mundial terminou há 60 anos. Ainda é importante pesquisar documentos da era nazista?
É saudável para uma sociedade ter os instrumentos para avaliar a performance de seus serviços de investigações – mesmo que essa performance envolva atividades de 50 anos atrás. E eu também esperaria que os próprios serviços de investigações aprendam com o seu passado.
Timothy Naftali é diretor do Programa de Arquivamento Presidencial do Centro Miller para Assuntos Públicos da Universidade de Virgínia. Seu próximo livro, em co-autoria com Aleksandr Fursenko, é chamado A Guerra de Krutchev: por dentro da história de um adversário americano.