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Alento no drama da maternidade na prisão

João Pedro Soares com colaboração de Tainã Mansani
21 de fevereiro de 2018

STF decide que grávidas e mães de filhos com até 12 anos poderão aguardar seus julgamentos em regime domiciliar. Parecer contempla milhares de mulheres em prisão preventiva.

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Prisão feminina em Brasília: país tem a quinta maior população carcerária de mulheres do mundoFoto: Agencia Brasil/E. Fiúza

Amanda Magalhães de Azevedo, de 21 anos, já chegou grávida à penitenciária feminina de Pirajuí, interior de São Paulo, como a maior parte das mulheres detidas ali. Em Brasília, sua cidade natal, fora condenada a um ano de pena após praticar um assalto, em 2014.

Na cela, ela reveza os cuidados com outra detenta, que também é mãe. "Às vezes, a neném dela chora, aí eu a acordo para cuidar dela. Nisso que eu ligo a luz, Sofia acorda. Como a minha é recém-nascida, às vezes troca o dia pela noite”, conta.

Seu drama é o mesmo de milhares de outras presas. Como Jéssica Monteiro, de 24 anos: a imagem da mãe e do bebê atrás das grades em São Paulo gerou comoção nas últimas semanas, reavivando o debate sobre a maternidade na prisão.

No início deste mês, a  juíza Laurita Vaz, primeira mulher a presidir o Superior Tribunal de Justiça, negou a a Jéssica, presa com 8,5 gramas de maconha, o direito a responder ao processo judicial em regime domiciliar.

A acusada era ré primária, mãe de cinco filhos e lactante, pois amamenta o bebê mais novo, com apenas um mês de vida. Em sua decisão, a juíza alegou que a acusada “não conseguiu provar que seria imprescindível” para as crianças.

A situação de muitas das presidiárias grávidas na cadeia tem uma chance de mudar, após o Supremo Tribunal Federal (STF), nesta terça-feira (20/02), aceitar um pedido de habeas corpus coletivo que beneficia pelo menos 4.560 mulheres em prisão preventiva.

De acordo com a decisão, grávidas e mães de filhos com até 12 anos poderão aguardar o julgamento dos casos em regime domiciliar. Os tribunais estaduais e federais têm até 60 dias para cumprir a decisão.

O total de presas contempladas pela decisão corresponde a 10% da população carcerária feminina brasileira. O número pode ser bem maior, já que alguns estados não repassaram os dados solicitados para o levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) junto com outras organizações.

O pedido de habeas corpus foi protocolado por um grupo de advogados militantes na defesa dos direitos humanos, com apoio da Defensoria Pública da União (DPU).

Eles pediam a aplicação da regra prevista no Artigo 318 do Código de Processo Penal (CPP), o qual prevê a substituição da prisão preventiva pela domiciliar para gestantes ou mulheres com filhos de até 12 anos incompletos.

A determinação faz parte de um conjunto de alterações feito pelo Congresso em 2016, que ficou conhecido como Marco Legal da Primeira Infância. Até então, o benefício existia para grávidas a partir do sétimo mês ou com gestação de risco e mães de crianças com até 6 anos.

Falta de amparo

Em 2015, foi publicado um estudo conduzido pelo Ministério da Justiça em parceria com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) intitulado "Dar à luz na sombra”.

O trabalho buscou analisar as condições em que as mulheres exercem a maternidade na prisão. Durante nove meses, 80 presas foram entrevistadas em sete presídios.

A pesquisa observou que o perfil das mães encarceradas era constituído, majoritariamente, por mulheres negras e pardas, na faixa etária entre 18 e 30 anos, inseridas num contexto de baixa renda e escolaridade, com vulnerabilidade social.

Foi constatado um cenário de amplo desrespeito aos direitos básicos das presas, especialmente os reprodutivos. Apesar das importantes diferenças entre as penitenciárias femininas brasileiras, as pesquisadoras destacaram que nenhuma delas funciona em respeito pleno aos parâmetros legais vigentes, considerando as regras de Bangkog, da ONU, e a Lei de Execução Penal Brasileira (LEP).

Uma das coordenadoras do estudo foi a professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Ana Gabriela Braga. Doutora em Criminologia, ela destacou a coragem política do tribunal. Em sua interpretação, a decisão tem um valor simbólico em uma possível mudança de rumos da política de drogas e do sistema criminal no Brasil.

Entretanto, ela chama atenção para o papel do Estado junto às mães que vão aguardar julgamento em suas casas, ao apontar a seletividade da prisão domiciliar.

"Para você aplicar a prisão domiciliar, primeiro, a pessoa precisa ter domicílio. Quantas delas têm uma casa ou continuam pagando aluguel na prisão, às vezes, tendo o companheiro preso? Além disso, a pessoa não pode trabalhar, então precisa de alguém que a sustente, além da casa e da criança. O viés de classe e raça do sistema penal se manifesta aqui também”, afirma.

O Brasil tem a quinta maior população carcerária feminina do mundo. Desde 2000, o número de mulheres presas cresceu 698% no país. Somente entre dezembro de 2014 e dezembro de 2016, aumentou de 37.390 para 44.721 – um salto de 19,6%. Os dados são do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça. Do total de mulheres presas no Brasil, 60% estão encarceradas por crimes relacionados ao tráfico de drogas.

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