Alguém na resistência, além de Caetano Veloso?
12 de junho de 2019"Purificar o Subaé, mandar os malditos embora", cantou Caetano Veloso há alguns dias, no final de um show fantástico no Circo Voador. "Mandar os malditos embora", repetiu o cantor meia dúzia de vezes, como se estivesse invocando espíritos ou num ritual de exorcismo.
O show de três horas, repleto de convidados famosos, marcou o lançamento do aplicativo de uma ONG ambientalista. Na plateia: atrizes globais, hipsters e políticos da esquerda. Quase todos brancos. O público de sempre – "padrão Zona Sul" – se reúne tradicionalmente nos arredores dos Arcos da Lapa, região boêmia do Rio de Janeiro. E se autodenomina "a resistência". Contra o que ou contra quem?
Os bordões são os de sempre. "Ele não", "Lula livre" e "O povo unido jamais será vencido". Obviamente, o concerto se transformou num ato político, como pedia a situação. Combinando com o tema ambiental, bradava-se também em coro "Agrotóxicos não".
Penso em todas as palavras de ordem que escutei nos últimos anos. "Não vai ter Copa", "Não vai ter golpe" e, claro, "Fora Temer". Mas o que aconteceu foi justamente o contrário. Eu me pergunto qual foi o último bordão bem-sucedido.
E lembro-me da noite do dia 23 de outubro do ano passado, quando aqui nos Arcos da Lapa o rapper Mano Brown advertiu o Partido dos Trabalhadores: "Não gosto do clima de festa", disse Brown na época, afirmando que o PT havia perdido o contato com a base, ou seja, com a favela, a periferia, as pessoas simples. Nada se tem a lhes oferecer, apontou o rapper: "Se não sabe, volta pra base e vai procurar entender". Na ocasião, ele foi vaiado pelo público.
Depois do show de Caetano, encontrei-me com uma dedicada política indígena. Nos últimos meses, ela foi vista frequentemente na TV e em comícios. "Onde está o resto da oposição?", perguntei. Ela respondeu: "Em todos os lugares, eles organizam a resistência". Eu lhe disse então que há meses não havia mais visto os líderes oposicionistas. Mas talvez isso se deva à minha percepção errônea.
"A esquerda está muito fragmentada", proferiu minha sábia acompanhante depois do concerto de Caetano. Segundo ela, antes, eles se agregavam em torno de Lula, que representava os operários unidos. Mas os dias do "líder unificador" acabaram, disse. E agora? "Talvez não precisemos de nenhuma oposição, porque parece que o próprio governo Bolsonaro está se desintegrando", retruquei.
E, de fato, olhando para o atual caos que desencadeou a divulgação das conversas entre Sérgio Moro e a força-tarefa da Operação Lava Jato, pode-se chegar a essa conclusão de autodestruição. No entanto, acho ainda muito mais suspeita a atual calmaria no Twitter: o presidente Bolsonaro e seus filhos pararam os ataques, assim como seu bizarro guru Olavo de Carvalho.
O governo aprendeu, e o bom comportamento de Bolsonaro e seus filhos rendeu frutos: o Congresso liberou os créditos suplementares. E provavelmente vai aprovar também a reforma da Previdência. Bradar "Ele não" não será suficiente, da mesma forma que os concertos de Caetano, por melhor que sejam.
Porque, ao contrário de todas as previsões, Bolsonaro ameaça governar. Pergunto-me então: qual é o plano alternativo da oposição, com quais tópicos e ideias ela quer marcar pontos no reduto de Mano Brown?
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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