América Latina: zona de risco para jornalistas
22 de maio de 2015Caso se confirme que o assassinato do jornalista Evany José Metzker, de 67 anos, encontrado decapitado em Minas Gerais na última segunda-feira (18/05), ocorreu por motivos profissionais, o crime vai contribuir para manter a ingrata posição do Brasil entre os três primeiros países da América Latina no quesito "homicídio de profissionais de imprensa".
Em estudo divulgado pela organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), em outubro do ano passado, o país é apontado como o terceiro com mais assassinatos de jornalistas na região, com 38 mortes entre 2000 e 2014. O México lidera, com 81, seguido da Colômbia, com 56. Honduras aparece em quarto lugar, com 27 mortes, número que cresceu a partir do golpe de estado de 2009.
E não há sinais de que a situação vá melhorar em 2015. Metzker já é o segundo jornalista a ser morto este ano no Brasil. Em nota, a RSF condenou o crime, classificado como "bárbaro", e reforçou o apelo às autoridades para que se concentrem na possibilidade de motivação política.
"Também atentamos para que a investigação seja conduzida de maneira independente, imparcial e completa. As autoridades brasileiras precisam tomar medidas concretas para proteger os trabalhadores da mídia", declarou a vice-diretora de programas da RSF, Virginie Dangles. No ranking de liberdade de imprensa da organização, o Brasil é o 99º colocado entre 180 países.
O outro jornalista morto em território brasileiro em 2015 foi o paraguaio Gerardo Servian Coronel, que trabalhava para a rádio Ciudad Nueva, na fronteira com o Mato Grosso do Sul. Ele tinha 45 anos e foi assassinado a tiros por dois homens numa moto.
No ano passado, foram três mortes no Brasil: do repórter cinematográfico Santiago Ilídio Andrade, da TV Bandeirantes, atingido por um rojão durante um protesto no Rio de Janeiro; do editor Pedro Palma, do jornal Panorama Regional, em Miguel Pereira (RJ), e Geolino Lopes Xavier, do portal N3, em Teixeira de Freitas (BA) – ambos mortos a tiros.
Os diferentes problemas na vasta América Latina
Do México para baixo, o Brasil é apenas um dos pólos problemáticos no mapa da violência contra jornalistas. Nesta semana, por exemplo, a RSF condenou a atuação da juíza venezuelana Maria Eugenia Núñez, que proibiu 22 editores e executivos dos jornais Tal Cual e El Nacional e do portal La Patilla – todos independentes – de viajarem para fora da Venezuela, ordenando-os a comparecer à corte uma vez por semana.
A decisão ocorreu em resposta às denúncias contra o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, acusado de supostamente comandar um cartel de tráfico de drogas chamado Los Soles. Aos jornalistas, foi imputado o crime de "difamação".
Coordenador do Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ) nas Américas, o argentino Carlos Lauría acredita que os jornalistas latino-americanos sofrem basicamente com dois problemas: o primeiro é a violência, exemplificada no México, na Colômbia e no Brasil. O segundo, a imposição governamental, com o rastreamento das instituições democráticas, como a imprensa, restringindo espaços e controlando a informação.
"A Venezuela é o mais claro exemplo disso", reforça.
Equador também no mapa
No Equador, no ano passado, o diário Hoy teria fechado a versão impressa – e permanecido apenas com a online – devido à "lei da mordaça". Em seu editorial de despedida, após 32 anos de atividades, o jornal, crítico do governo do presidente Rafael Correa, falou em "um cenário adverso para o desenvolvimento de uma imprensa livre, plural e independente".
Esta semana, o jornal La Hora se recusou a pagar uma multa imposta pelo órgão de controle dos meios de comunicação. O motivo: não teria publicado informações sobre as contas da prefeitura de Loja, o que, para o governo, foi caracterizado como omissão de temas de interesse público.
"O Equador está seguindo o mesmo caminho [da Venezuela], infelizmente. Rumo à deterioração da imprensa livre. Desde a criação da lei de comunicação, em 2013, abriu-se as portas para a censura e uma mídia menos plural", diz Lauría. Ele avalia, entretanto, que Brasil e Argentina ainda estão longe de situações semelhantes às dos vizinhos Equador e Venezuela.
México é o maior desafio
Enquanto no Brasil tramita um projeto de lei que, caso aprovado, possibilitará a federalização da investigação de mortes de jornalistas, o México já aprovou a ação. Só que pouco mudou. A intenção era – como no Brasil – descentralizar o poder dos grupos locais na investigação de mortes de profissionais de imprensa. Mas nem a criação de órgãos nacionais e regionais ajudou a mudar a realidade mexicana.
"É uma situação muito preocupante. Temos vários casos, e nenhum resolvido. Nenhum. Gostaríamos que pelo menos um fosse resolvido. Isso já seria uma grandiosidade sociopolítica. Há visível intencionalidade por parte do estado em não investigar", ressalta Celso Schröder, presidente da Federação de Jornalistas da América Latina e do Caribe (Fepalc).
A corrupção generalizada e o poder dos narcotraficantes colocaram o México entre os primeiros do mundo em número de mortes de jornalistas no ano passado. O país é o oitavo da lista, com cinco assassinatos. À frente, constam países evidentemente em zonas de guerra: Paquistão (14 mortes), Síria (12), Afeganistão (9), Palestina (9), Iraque (8) e Ucrânia (8). Em 2015, até o momento, 25 jornalistas foram mortos em todo o mundo, e 157, presos.
Schröder, que também preside a Federação Nacional dos Jornalistas do Brasil (Fenaj), pontua que há tentativas no sentido de evoluir no combate aos assassinatos de jornalistas, mas reforça que os resultados são insatisfatórios. "É inaceitável que um país como o Brasil enfrente mortes, ameaças e agressões a jornalistas mesmo sem uma guerra civil deflagrada, sem estar em zona de conflito."
Para Lauría, os números relacionados às mortes de jornalistas são "eloquentes o suficiente" para uma maior atenção das autoridades.
"Precisamos contabilizar, precisamos de processos eficientes, programas de proteção efetivos. O Estado tem que arcar com a sua responsabilidade, e também a imprensa unida deve expressar solidariedade, seguindo a fundo as investigações. Assim, os governos saberão que terão de lidar com isso", diz Lauría. "Sem uma imprensa livre, quem sofre é a democracia."