"Amor eficaz" do papa é tipicamente latino-americano, diz teólogo
27 de julho de 2013A Jornada Mundial da Juventude, que transcorre no Rio de Janeiro, tem sido considerada a verdadeira estreia internacional do papa Francisco, escolhido para o posto máximo da Igreja Católica em março desde ano. Em sua passagem pelo Brasil, onde fica até este domingo (28/07), o papa vem surpreendendo pela quebra de protocolos e pela simplicidade. Usou gírias para tratar com os jovens ("Cristo bota fé nos jovens", disse), visitou uma favela, fez questão de usar um papamóvel sem blindagem.
Em conversa com a Deutsche Welle, Gerhard Kruip, professor de Antropologia Cristã e Ética Social da Universidade de Mainz, Alemanha, analisa o discurso de Francisco no Brasil. Ele comenta os principais desafios que o primeiro pontífice latino-americano tem pela frente, assim como as expectativas a seu respeito.
Deutsche Welle:A imprensa internacional está muito atenta ao papa Francisco no Rio de Janeiro, pois acredita que conseguirá ter imagens incomuns, como por exemplo, um papamóvel sem blindagem, o que não se via há muitos anos. Mas o que a comunidade católica do Brasil e do mundo pode esperar dele? Espera-se demais por ele ser o primeiro papa latino-americano?
Gerhard Kruip: Muitos católicos no mundo esperam que o papa Francisco implemente reformas na Igreja. Até agora, ele mostrou alguns gestos simbólicos que evidenciam sua disposição em impulsionar essas mudanças, mas esses gestos devem ser seguidos de atos concretos, para então se poder falar de expectativas cumpridas. Muita gente acredita que Francisco vá concretizar a reforma da Cúria e dar maior subsidiariedade à Igreja.
O princípio da subsidiariedade propõe que Roma delegue responsabilidade entre as Igrejas de todos os países, permitindo que cada uma delas tenha maior poder de decisão sobre os assuntos que lhes competem diretamente. A ideia é que Roma se limite a intervir apenas para solucionar problemas que as Igrejas locais não conseguem resolver por si mesmas. Essa noção faz uma alusão à preceito de que a Igreja deve ser construída de baixo para cima.
Até agora, a Igreja Católica exigiu que os Estados respeitem o princípio da subsidiariedade. Ela tem pedido, por exemplo, que as instituições públicas não se metam em áreas onde deve prevalecer o direito dos pais de educar seus filhos como acham melhor. Mas internamente a Igreja tem aplicado muito pouco a subsidiariedade. Os bispos devem assumir mais tarefas, porque o papa não dá conta de tudo.
A imprensa exagera quando diz que o projeto do papa Francisco para a Igreja Católica o coloca em rota de colisão com a Cúria romana?
Dizer que o papa está se confrontando com a Cúria é ir longe demais. Pode-se criticar a Cúria por várias razões, mas ela também fez coisas muito boas, sem que a opinião pública fique sabendo. Gente de todas as partes do mundo trabalha para que a Igreja Católica possa funcionar. Sem dúvida, foi um grande feito de Jorge Bergoglio ser nomeado papa, porque ele criticou, diante do conclave, a maneira de trabalhar da Cúria.
O papa Francisco criou uma comissão para a reforma da Cúria, que começará a trabalhar em outubro. Se há algum confronto no momento, não é entre Francisco e a Cúria, mas sim entre ele e alguns membros desse grupo.
Também se fez muito barulho em torno da apresentação do "programa de governo" do novo papa na Jornada Mundial da Juventude no Rio, o chamado "Evangelho Social segundo Francisco"...
Acabo de ver no YouTube o vídeo que mostra o encontro do papa com os jovens argentinos que foram até o Rio de Janeiro só para vê-lo. O núcleo do discurso de Francisco tem três exortações. Primeiro, ele pede que se lute ativamente contra a exclusão social dos jovens e velhos, assim como na ilha italiana de Lampedusa ele também pediu aos europeus que não excluam os imigrantes sem documentos.
Depois, ele propôs aos jovens católicos que se organizem, tomem as ruas, se necessário, para denunciar os problemas que precisam de solução e evitar que a igreja se feche e se converta num gueto religioso, distante do que ocorre na vida cotidiana das pessoas.
Em terceiro lugar, Francisco pediu a eles que não façam de sua fé uma miscelânea.
Quando se descreve a essência das mensagens articuladas pelo papa no Brasil, usa-se com frequência o adjetivo "social". Mas o discurso dele não é eminentemente político? Não é isso o que o distingue do seu antecessor, Bento 16?
Bento 16 também tinha um discurso admirável, mas seu foco estava sobre a relação dialética entre a fé e a razão. Já Francisco enfoca a fé e o amor, entendendo o amor como um "amor eficaz". Esta é uma noção tipicamente latino-americana, que resultou das reflexões de teólogos da libertação.
A ideia é que não basta falar de amor, nem expressar sentimentos de compaixão ou solidariedade. O amor deve se manifestar em atos concretos de ajuda. E, se for necessário, esse amor deve contemplar a organização política, para atingir certos fins. O que Francisco prega não é novo para muitos membros da Igreja Católica na América Latina. Nessa região vem-se praticando essa forma de amor desde os anos 1960. O que é realmente novo é um papa falar deste vínculo entre a fé e o amor de uma forma clara, sem pretender enfeitar a mensagem com formulações complicadas ou diplomáticas.