América Latina não tem porta-voz, diz perito alemão
11 de maio de 2006As negociações do acordo de livre comércio entre a União Européia e o Mercosul estão na pauta da Cúpula UE-América Latina e Caribe (Eulac), que acontece até sábado (13/05), em Viena. A DW-WORLD falou sobre este e outros assuntos com Wolf Grabendorf, perito em América Latina da Fundação Friedrich Ebert (ligada ao Partido Social Democrata alemão).
DW-WORLD: O que o senhor espera da cúpula de Viena?
Grabendorf: Muito pouco, porque desde a primeira cúpula em 1999, no Rio, onde foi declarada a parceria estratégica entre a UE a América Latina, as relações entre as duas regiões pioraram. E duvido muito que haja um recomeço em Viena.
Por que as relações pioraram? Isso se deve ao fato de que a UE menosprezou a América Latina, entregando-a à influência dos Estados Unidos?
Com certeza, essa é a reclamação dos latino-americanos, de que eles são menosprezados, que a UE se ocupa demais com a Ásia e a China. Penso que a razão é mais profunda. A América Latina não conseguiu acompanhar o ritmo da globalização. Não se modernizou como a Ásia e não conseguiu falar com uma voz, porque sua identidade se esfacela.
E por que os países da região não conseguem se unir?
Isso é uma questão que tem a ver com a cultura política. A América Latina é, depois da Europa, o continente com o maior número de propostas de todo tipo de integração. Mas elas não conseguiram se impor. Nem mesmo as grandes esperanças que a UE depositou no Mercosul puderam ser concretizadas, já que hoje entre a Argentina e o Uruguai só se ouvem declarações de ódio em questões ambientais.
Por que o acordo UE-Mercosul não será concluído em Viena?
O motivo é o que os europeus subestimaram a importância da questão agrária para o Mercosul, porque o Brasil provavelmente será o maior produtor e fornecedor de alimentos do mundo. E justamente a esses produtos, oferecidos em parte também pela Argentina e o Uruguai, a UE não oferece chances. Por outro lado, os países do Mercosul subestimaram o grande interesse dos europeus pela abertura do mercado, sobretudo do Brasil, para seus produtos industrializados. E, neste caso, os brasileiros tentam proteger sua produção.
O que o senhor acha da Alternativa Bolivariana para as Américas (Alba), projetada por Hugo Chávez, Fidel Castro e Evo Morales?
Esses são projetos políticos que não dão resultados no âmbito da globalização. Por isso, é preciso vê-los mais como uma defesa em relação às intenções norte-americanas do que como algo viável, que traga vantagens econômicas para a maioria dos países. A vantagem econômica fica somente com Chávez, em função dos preços do petróleo.
Hugo Chávez é festejado como estrela da esquerda latino-americana. Ele vai roubar a cena de Lula em Viena e o papel de liderança do presidente brasileiro na América Latina?
Ele não é o que na Europa se chamaria de esquerdista. É um populista, com grande capacidade pragmática para se adaptar às diferentes situações. De certa forma, é comparável ao que foi Perón. Com certeza, não é um socialista, ainda que goste de dizer que é.
Chávez é uma liderança por ter sido o primeiro presidente latino-americano a colocar na ordem do dia a questão da redistribuição da renda. Isso hoje é repetido por quase todos os outros presidentes, mas ele é o único que redistribui renda, naturalmente porque dispõe dos recursos oriundos do petróleo, enquanto Lula não conseguiu redistribuir a renda e por isso perdeu influência no Brasil e como figura de liderança na região.
Lula não consegue exercer a liderança que se espera dele na região?
Devido ao enorme enfraquecimento de seu partido, envolvido em escândalos de corrupção, Lula perdeu muita legitimidade no próprio país. E apesar de sua hábil política externa, não tem grandes qualidades de liderança na região, em parte porque o Brasil, na questão do Mercosul, não se comportou como potência líder e, sim, defendeu demais seus próprios interesses. Além disso, o Brasil hoje se preocupa mais com a África, China e Índia do que com a América Latina.
A reação do Brasil à estatização do gás na Bolívia foi fraca demais?
Depende do que se considere reação fraca. A estatização na América Latina tornou-se algo normal nos altos e baixos das décadas de relações com os grandes empresários, a maioria estrangeira. A reação dos brasileiros não foi indolente. Pelo contrário, eles serão os que melhor chegarão a um acordo nas novas negociações com os bolivianos, devido à vizinhança e dependência direta do gás da Bolívia. Além disso, Morales sinalizou que está mais disposto a negociar com estatais – como é o caso da Petrobras – do que com grandes multinacionais que correspondem mais à sua imagem do inimigo.
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A Bolívia é um modelo ou um fantasma para a América Latina?
É um modelo no que diz respeito a transformar em presidente, sem violência, o representante de uma minoria, os índios, que na verdade constituem a maioria no país. Evo Morales tem uma enorme legitimidade porque venceu as eleições com 53% dos votos. E isso não deve ser esquecido no exterior. Nesse sentido, a Bolívia é um modelo para Estados como, por exemplo, o Equador. Mas é preciso esperar para ver se também é um modelo no relacionamento com investidores estrangeiros. Acabou-se o tempo dos grandes lucros, que eles obtiveram com base nos contratos vigentes até agora. Tudo depende de quais dessas firmas conseguirão ou não se arranjar com o governo boliviano nos próximos seis meses.
Pode-se resolver os atuais problemas econômicos latino-americanos com populismo e estatização?
Até agora não se encontrou nenhum modelo capaz de resolver os problemas econômicos da região. O modelo de abertura do mercado preferido até agora contribuiu mais para o empobrecimento da população do que para a melhoria da situação social. O que temos hoje na América Latina é uma insatisfação geral da maioria da população com a política econômica. Uma política que favorece uma pequena elite e que mesmo em anos de crescimento econômico redistribuiu pouca renda para as camadas inferiores. E essa insatisfação leva à eleição de populistas, que parecem oferecer soluções fáceis, justamente porque se passaram muitos anos de promessas feitas, mas não cumpridas pelos governos.
O neopopulismo pelo menos despertou o interesse da mídia européia pela América Latina. Isso ajuda ou enfraquece a posição da região nas relações com a UE?
Não existe uma posição comum da região. Esse é justamente o problema que se vê na cúpula de Viena. Não há um porta-voz para a região. Há algumas pessoas que representam determinadas tendências, como Chávez e Morales, por um lado, e Lula e Bachelet, por outro. Não há uma tendência geral para a região. Nem mesmo se pode afirmar que a América Latina está indo para a esquerda, uma vez que muitas das políticas econômicas não são esquerdistas.
Quem é o hoje o parceiro mais confiável para os europeus na América Latina?
Como interlocutor, o Chile é o país considerado especialmente confiável e estável pelos europeus. Não só é o parceiro mais confiável como também o mais fácil. Mas o Chile está relativamente isolado e não representa as transformações que ainda devemos esperar na região. Por isso, na cúpula alternativa de Viena, também se questiona se a UE sempre aposta nos amigos certos e se não é necessário desenvolver políticas diferenciadas para os países da região.
O que se pode esperar dos encontros bilaterais que ocorrem durante a cúpula de Viena, como a reunião de Lula com Merkel?
Esses encontros refletem uma tendência verificada tanto na União Européia quanto na América Latina em direção ao fortalecimento dos contatos bilaterais. O que parece não vingar é a pretensão européia de uma relação entre blocos. Isso não funciona, porque os esforços de integração na América Latina novamente se encontram numa grave crise.