Aperto geral de cintos
3 de julho de 2004A mídia alemã não deixa o assunto de lado, afinal, mesmo esfarrapada, a reforma social levada a cabo pelo governo social-democrata-verde é um dos passos rumo ao desmatenlamento – provavelmente necessário – do Estado do bem-estar social. A polêmica mais recente no país está centrada no mercado de trabalho. Aprovadas pelo Parlamento (Bundestag), as mudanças deverão entrar em vigor no início de 2005, se passarem também pelo crivo da Câmara Alta (Bundesrat).
De acordo com as novas normas, os chamados "desempregados de longo prazo" irão passar a depender da ajuda social, ao contrário do que acontece hoje. O trabalhador que perder seu emprego terá que receber o seguro-desemprego por menos tempo, ou seja, por no máximo um ano. A não ser que já tenha mais de 55 anos, condição para que receba o auxílio por 18 meses. Depois disso, os desempregados terão que gastar primeiro suas economias. Ou viver às custas do marido ou mulher.
Desempregados: visitas de controle em casa
Uma declaração do vice-diretor da Agência Nacional do Trabalho, Heinrich Alt, publicada neste sábado (3/7) provocou um verdadeiro alvoroço no país. Segundo Alt, "quando houver suspeita de que algo não está certo" com os requerentes de seguro-desemprego ou ajuda social, "iremos comparar nossos dados com os de outros departamentos, como a Receita Federal, as caixas de previdência e as seguradoras. Em casos extremos, nos daremos o direito de fazer visitas a essas pessoas em casa", resume Alt.
Ou seja, de um lado, o medo grotesco do Estado de estar sendo "passado para trás" pelo cidadão. Do outro, a perplexidade deste frente à ameaça do Estado querer bater à sua porta, para verificar se não há "dinheiro guardado debaixo do colchão".
As mudanças anunciadas pelo governo para o mercado de trabalho, como toda boa legislação alemã, contabilizam uma série de exceções daqui e dali. "Ninguém consegue saber como vai ser, quantas pessoas vão ganhar menos e quantas mais, tão diversas são as combinações envolvendo patrimônio, salário de familiares, condições de moradia, trabalhos esporádicos e número de dependentes", analisa o semanário Die Zeit.
Mediar o que?
Os críticos afirmam, de qualquer forma, que o governo reduz os benefícios dos desempregados, sem levar em consideração que muitos destes se esforçam há anos e em vão para encontrar trabalho.
Principalmente do Leste do país, onde o quadro é dramático, ecoam as vozes de protesto, lembrando que falar em uma maior eficiência na mediação de empregos pelas autoridades competentes é completamente absurdo em regiões que não têm, na realidade, o que mediar. E isso diante do fato de que os prognósticos não apontam nem de longe uma recuperação da conjuntura que pudesse levar a uma queda sensível na taxa de desemprego.
Schröder: perda de apoio popular
Levar tais reformas sociais a cabo tem custado ao chanceler federal Gerhard Schröder e a seu partido uma perda gradual de popularidade. Pesquisas apontam que se os alemães fossem eleger hoje um novo governo, os democrata-cristãos da oposição sairiam vencedores. O que já foi sentido na recente derrota da social-democracia nas eleições para o Parlamento Europeu.
Dentro da própria facção, há sinais de crise: neste fim de semana (3-4/7), dezenas de membros da ala esquerda do SPD reúnem-se em Berlim, para criar uma associação que poderá se transformar daqui a alguns meses em um novo partido. Entre os futuros dissidentes estão principalmente sindicalistas, abatidos pelos cortes do governo.
"Com sua política de reformas, o SPD intimidou os sindicatos, que sempre foram seus parceiros políticos mais tradicionais. Estes tacham a política do governo de não social e avessa ao trabalhador e entram cada vez mais em atrito com o Partido Social Democrata", oberva o diário Frankfurter Rundschau.
Sindicatos: bolinhas de gude do empresariado?
Bravos com o governo por um lado, os sindicatos do país, no entanto, também não têm passado por seus melhores momentos. Encostados na parede pelo empresariado sob a sombra de uma pálida conjuntura, está claro que eles vêm perdendo poder a cada dia. O número de filiados diminui, cresce a distância do governo em Berlim e com isso o poder de influir em decisões de peso. O recente acordo entre o IG Metal e a Siemens no país, estabelecendo um aumento da jornada de trabalho sem aumento de salário em duas fábricas, fez com que os sindicatos no país fossem chamados até de "bolinhas de gude nas mãos do empresariado".
"Menos férias não mata ninguém"
Embora considerada oficialmente um exceção, a decisão da Siemens abriu no país um precedente para várias empresas. Desde então, os empregadores resolveram não esconder mais que pretendem apertar os cintos. "Uma semana a menos de férias por ano não vai matar ninguém", anuncia Anton Börner, presidente da Federação Alemã de Atacadistas e Comércio Exterior, ao diário popular Bild.
Um desconto aqui nas férias (na Alemanha, hoje, 30 dias úteis por ano), um aumento na jornada de trabalho ali (que pode passar das 35 para 40 semanais) e nenhuma remuneração extra por isso acolá. É esperar para ver até onde vai a elasticidade dos sindicatos e a compreensão do cidadão comum frente a tais malabarismos para manter os caixas em ordem.