App testa limites entre vigiar e proteger a família
4 de fevereiro de 2016Toda noite era a mesma história. Assim que a mãe de Rafael Dias Silva, de 32 anos, abria o portão ao chegar em casa, o cachorro da família escapava para a rua. Até o dia em que Rafael, responsável por correr atrás do animal e trazê-lo de volta, baixou no celular da mãe o app localizador Familo.
"O portão é automático. O cachorro fica solto no quintal. Apesar de ser brincalhão e até um pouco lerdo, ele não pode ver o portão aberto que foge para a rua. Passei, então, a prendê-lo antes de minha mãe chegar", conta o rapaz, que mora com os pais em Brasília.
Só algumas semanas depois, a mãe, Maria de Lourdes Dias, de 59 anos, descobriu que estava sendo "rastreada". O Familo dedurava de onde Maria tinha saído e para onde estava indo, dando a Rafael tempo de amarrar o São Bernardo. "Não me importei muito. Não sei muito sobre tecnologia. Nem sabia que isso existia", disse.
A "brincadeira" ficou séria e, mesmo sem tanto conhecimento, ela resolveu incorporar a "babá virtual" à rotina. "Se o Rafael demora a voltar da aula de pós-graduação, que é à noite, olho o aplicativo para saber onde ele está. Também monitoro meus outros filhos para ver se estão em casa", conta.
Além de Rafael, Maria de Lourdes tem outros dois filhos. Um deles é casado e fica de "olho" no Familo para ter certeza de que está tudo bem com a esposa. A outra é Ludmila Dias Silva, de 29 anos, que aderiu ao app para cuidar da segurança da única filha, Eduarda Silva Pinheiro, de 11 anos. "Baixei o aplicativo para seguir os horários de entrada e saída da escola dela para casa. Fico preocupada. Cuidado nunca é demais, não é?", diz.
Brasil recordista
Quem tem o Familo no celular pode compartilhar os dados de localização com pessoas próximas. Uma vez que você está online, o aviso de check-in em locais pré-determinados (casa, escola, academia, universidade, etc.) é enviado automaticamente aos familiares. Também é possível enviar alertas em caso de emergência se estiver em qualquer outro lugar, ou restringir informações.
Dos 900 mil usuários do app, desenvolvido pela start-up alemã Familonet, cerca de 250 mil estão no Brasil, considerado pela empresa um dos principais mercados para o serviço. O país é recordista de downloads, seguido da Alemanha e da Turquia. A ferramenta está disponível sem custo nenhum em 12 línguas, que incluem, além do português, alemão e inglês.
De acordo com um dos fundadores da Familo, Michael Asshauer, "mais e mais pessoas estão usando smartphones no Brasil, um país onde a segurança da família tem muito valor". "Por isso, ano passado, começamos nossa divulgação por lá. O sucesso foi rápido", diz.
Agora, a meta da start-up é ganhar espaço no México e em países da Ásia, como Índia e Indonésia, e, ao mesmo tempo, atualizar de forma contínua as funções do Familo.
Invasão de privacidade?
O uso cada vez mais frequente de apps "espiões" provoca discussões sobre privacidade, um direito garantido pela Constituição brasileira. Se os pais gostam de saber tudo da vida dos filhos, é preciso haver equilíbrio para "não impedir que os jovens desenvolvam recursos psíquicos de autocontrole", afirma Maria Virgínia Filomena Cremasco, doutora em Saúde Mental pela Unicamp.
"Educar e dar limites não significa cercear a privacidade da criança, mas desenvolver nela a capacidade de se gerenciar", diz.
Segundo a especialista, a necessidade de monitoramento via aplicativo "tem que ser avaliada dentro do desenvolvimento de cada criança". Para as muito novas, por exemplo, "espera-se que os responsáveis estejam mais presentes nas decisões".
Cremasco afirma que os pais devem tomar cuidado para não fantasiarem sobre o que pode acontecer se o filho fizer algo sozinho. No entanto, se a questão for mesmo segurança, "o monitoramento pode representar uma tranquilidade maior para os dois lados".