Armin Mueller-Stahl: sucesso e não-conformismo
19 de dezembro de 2005Em sua longa e diversificada carreira, o ator Armin Mueller-Stahl nunca perdeu uma oportunidade para rir. Afinal, o auto-intitulado “saltimbanco e bobo da corte” sempre soube satisfazer a seu público. Muito embora a própria vida nem sempre lhe tenha sorrido.
Ser ou não ser, eis a questão
Essa vida começou em 17 de dezembro de 1930, na cidade de Tilsit, na então Prússia Oriental (atualmente Sovetsk, Rússia). E poderia ter acabado apenas 15 anos mais tarde, se não fosse a intervenção de um polonês corajoso, impedindo que um soldado russo fuzilasse sumariamente o jovem Armin.
De início, sua ambição era tornar-se um grande violinista. O amor pela música era enorme: durante quatro longas noitadas, Armin fez “bicos” com seu instrumento, só para poder trocar seu salário, um quilo de manteiga, pelo rádio improvisado de um amigo. Um quilo de manteiga pela música da metrópole Berlim, onde ele em breve iria estudar violino e musicologia.
Após assistir Hamlet na capital, o jovem resolveu que também seria ator, além de músico. Paralelamente a seus estudos musicais, passou a se dedicar aos grandes monólogos dramáticos. Embora condenado a interromper o curso de interpretação teatral após um ano, por suposta “falta de vocação”, os primeiros trabalhos como ator não tardaram a aparecer.
Carreira brilhante
Durante 25 anos, Armin Mueller-Stahl integrou o elenco do Berliner Volksbühne, brilhando tanto nos papéis clássicos quanto nos modernos. Pouco a pouco, ele conquistou uma platéia cativa, quer com seu Spitta em Os ratos de Gerhart Hauptmann, Frei Martin na Santa Joana de George Bernhard Shaw, Wurm em Cabala e amor de Friedrich Schiller, ou como o Mercúcio do Romeu e Julieta de Shakespeare.
Por fim, o ator prussiano se firmou como o mais solicitado e bem pago da República Democrática Alemã (RDA) – o Leste do país sob governo comunista. Um posto que ocupou não só no palco teatral como nos filmes para a companhia cinematográfica Defa e para a televisão.
Entre as honrarias que recebeu nessa primeira fase, estiveram o Prêmio de Arte de 1963 e a Ordem do Trabalho da RDA. Durante cinco anos seguidos foi eleito ator favorito do país, e, em 1975, destacou-se como Artista Televisivo do Ano.
Arte e política
Um ano mais tarde cairia em desgraça com o sistema comunista, ao assinar uma petição contra a expatriação do autor e intérprete Wolf Biermann. A partir daí, as ofertas de papéis rarearam.
Em 1980 transferiu-se de Berlim Oriental para a parte ocidental, continuando com sucesso ininterrupto sua carreira de ator de cinema e televisão.
Em breve estaria trabalhando ao lado de alguns dos principais diretores europeus, como Rainer Werner Fassbinder (O desespero de Veronika Voss, 1982), Patrice Chéreau (Homem ferido, 1983), Andrzej Wajda (Um amor na Alemanha, 1983), e István Szabó (Coronel Redl, 1988).
De Berlim a Hollywood
Ator versátil, desde seus tempos na RDA sempre se mostrara especialmente à vontade na pele de personagens sofridas, marcadas pela vida. Como nas adaptações de obras literárias para o cinema Nu entre lobos (1963) e Jakob, o mentiroso (1975), ambas dirigidas por Frank Beyer. Vinte e quatro anos mais tarde, Mueller-Stahl participaria – num outro papel – da refilmagem dessa última: Um sinal de esperança (1999), dirigida por Peter Kassovitz e com Robin Williams no papel de Jakob.
A película de Constantin Costa-Gavras Muito mais que um crime (1990, título original: Music Box) proporcionou a Mueller-Stahl o salto para Hollywood. Aqui ele representava um ex-comandante húngaro: agora respeitável cidadão norte-americano, 50 anos antes ele ordenara massacres em sua terra, a serviço dos ocupadores nazistas. O conflito se desencadeia quando sua filha (Jessica Lange) encontra evidências de um passado tenebroso.
Ator não-conformista
Em Los Angeles, onde vive até hoje, Armin Mueller-Stahl confirmou seu talento para incorporar figuras silenciosas, conflitantes e sensíveis, conquistando o posto de mais bem sucedido ator alemão em Hollywood.
Entre os grandes êxitos dessa nova fase estiveram Uma noite sobre a terra (Jim Jarmusch, 1991) e Kafka (Steven Soderbergh, 1991). Por seu papel em Avalon (Barry Levinson, 1990), o ator alemão foi indicado para o Oscar, e recebeu por Utz (George Sluizer, 1992) o Urso de Prata de melhor ator, no Festival de Berlim. Também inesquecível sua personificação de Thomas Mann, na minissérie de 2001 para a TV alemã, sobre a família do autor de A montanha mágica.
Menos unânimes as reações a Konversation mit der Bestie (Conversa com a besta), de 1996. Neste filme, além de comandar as câmaras, Mueller-Stahl representou nada menos do que Adolf Hitler aos 103 anos de idade – ou, quem sabe, um mero imitador senil do führer.
Apesar de algumas decepções – como essa frustrada investida no campo da direção – o prussiano de 75 anos há muito conseguiu uma difícil façanha: mesmo no seio do mainstream cinematográfico, estabelecer uma reputação sólida de ator não-conformista, e que sempre soube preservar sua independência artística.