Arte de ponta-cabeça
23 de janeiro de 2003"Quando se chega aos 65, tem-se o direito de reclamar", diz o artista que, como todo gênio, tem algo de excêntrico. A cultura subvencionada pelo Estado – o que é o caso de muitos museus, galerias e teatros na Alemanha – não passa de "cultura de entretenimento para gente cômoda". Em geral, o público só se interessa pela soma milionária que algum quadro atinge ao ser vendido.
O pintor que retirou seu sobrenome da cidade em que nasceu – Deutschbaselitz, no Estado da Saxônia, mora num castelo, mas não gosta de luxo. Chama os artistas de anti-sociais e outros adjetivos pejorativos, embora ele mesmo seja um artista. Enfant-terrible da pintura alemã, diz frases como: "Artistas são gente que faz coisas, de que os demais se envergonhariam".
Bosque plantando bananeira
Com tudo isso, não é de se admirar que Georg Baselitz veja o mundo de ponta-cabeça. O alemão oriental tornou-se internacionalmente famoso ao virar seus quadros de cabeça para baixo, a começar pelo "Bosque de ponta-cabeça", em 1969. Com isso, garantiu-lhes um lugar nos museus mais famosos do mundo. Baselitz foi o terceiro artista alemão, depois de Joseph Beuys e Rebecca Horn, a quem o Museu Guggenheim de Nova York dedicou uma mostra representativa da obra, em 1995.
As árvores crescem no céu, ou onde deveria estar o céu, os pássaros voam em direção ao solo e as pessoas aparecem de pernas para o ar. Suas obras – retratos ou nus artísticos, naturezas mortas, árvores e águias – todas parecem pertencer a um mundo invertido, plantando bananeira. "Eu não aceitava a pintura, o quadro como ele existia até então, e no seu lugar, pendurei o meu", explicou certa vez. Com isso quis romper com a tradição e os velhos valores, "para que novamente acontecesse algo na cabeça (das pessoas), para mostrar novos caminhos aos olhos cansados." Crítico, ele mesmo não vê nenhuma legitimação para isso, mas ao mesmo tempo diz que ninguém tem o direito de dizer que é uma grande bobagem. O que interessa é deixar o público surpreso, ao mexer com a sua percepção do senso comum.
Imaturidade, afrontas e outras subversões
Um provocador Baselitz sempre foi e sua subversão não começou com a inversão das telas. Em 1956, foi expulso da Escola Superior de Artes Plásticas e Aplicadas de Berlim Oriental por "imaturidade sócio-política", no jargão da Alemanha comunista. Chegando à ocidental em 1963, logo provocou um escândalo, ao pintar um quadro tendo por motivo um garoto se masturbando. Esse e mais um outro foram confiscados pela promotoria de Berlim por "afronta aos bons costumes".
Ao inverter o quadro, provoca uma pequena revolução na história da arte. De repente, não é mais o objeto retratado que está em primeiro plano, mas sim a reflexão sobre espaço e composição. Quando o motivo perde significado, questionam-se as regras e mecanismos vigentes da arte. Georg Baselitz manteve-se fiel a esse seu princípio. As pinceladas rudes e até agressivas, as cores intensas continuaram características de seus trabalhos até o final dos anos 80. Muitas vezes, misturou todos os gêneros e técnicas, combinando desenho, pintura e gravura.
Já as obras dos últimos anos mostram mais leveza e transparência. Também são de datas mais recentes pinturas abstratas de grande tamanho, com manchas de tinta, linhas rabiscadas e também pegadas, as marcas originais do artista que, por assim dizer, entra ele mesmo no quadro.