Hans-Hendrik Grimmling
5 de novembro de 2009Hans-Hendrik Grimmling nasceu praticamente com um pincel na mão. Aos 14 anos, ele e um amigo já tinham seu próprio ateliê em sua cidade natal, Zwenkau, próximo a Leipzig, na então República Democrática Alemã (RDA).
Mas, na realidade, não era bem arte o que os dois garotos tinham na cabeça. Embora pintassem, copiassem quadros de artistas como Franz Marc e vendessem até mesmo algumas peças, o ateliê servia antes como um santuário de liberdade. Eles usavam o espaço para beber e fazer festas, além de alugá-lo para casais jovens, em troca de um copo de cerveja.
Após completar sua formação escolar e o serviço militar obrigatório no Exército Popular Nacional (um tempo de humilhação e lágrimas escondidas, como revela Grimmling), foi aceito para cursar em Leipzig a mais renomada escola superior de arte da RDA. Ele e seus colegas ganharam fama de selvagens, mas também incrivelmente produtivos.
"Imaginação completamente estranha"
Grimmling terminou seus estudos com Werner Tübke, um dos pintores mais famosos da Alemanha Oriental, e foi aceito, juntamente com outros cinco colegas, na classe avançada chamada Arte Livre. A classe era dirigida por Wolfgang Mattheuer, importante figura na cena artística de Leipzig. Na classe de Mattheuer, Grimmling vivencia a liberdade artística.
No entanto, Grimmling foi impedido de se graduar, pouco antes de finalizar seus estudos. Como justificativas para sua reprovação, a faculdade mencionou sua "imaginação completamente estranha" e a influência da "decadência imperialista" em seu trabalho. Não se podia encontrar nada do proletariado em suas pinturas, criticaram.
Diante da ameaça de expulsão, Grimmling aceitou a tarefa de pintar dois mineiros em um quadro chamado Heróis do trabalho. " E foi o que eu fiz. Ainda não tinha esse páthos alternativo – 'Vão se danar, vocês todos!' – Eu queria esse primeiro reconhecimento estatal que era do diploma."
Heróis do trabalho possibilitou a formatura de Grimmling com a nota "muito bom". Ele foi então convidado a trabalhar na Associação de Artistas Visuais. O emprego lhe possibilitava suprir suas necessidades básicas e lhe oferecia oportunidades de participar em projetos e negócios artísticos patrocinados pelo Estado.
Chamando a atenção dos censores
Paralelamente à função oficial, no entanto, Grimmling desenvolveu sua própria visão. Ele pintava pássaros sem asas ou com corpos contorcidos, articulava-se com outros artistas, experimentava caminhos, testava fronteiras.
Seu trabalho começou a chamar a atenção dos censores da Alemanha Oriental. Em particular, um verso de um poema que ele e Olaf Wegewitz, um artista amigo, colocaram em 1980 sobre a porta de uma galeria gerou desconfiança. Ele dizia: "A palavra estraga os caminhos". Os censores se perguntaram se Grimmling estaria fazendo alusão ao SED, partido único do governo alemão oriental.
No dia anterior à abertura da exposição nessa galeria, autoridades do governo cancelaram e ordenaram seu desmonte. O episódio frustrou Wegewitz e Grimmling, que se recordam: "Fomos humilhados, mas, ao mesmo tempo, sentimos uma espécie de prazer por termos sido capazes de nos definir de forma diferente e de não sermos um deles".
Para além da imaginação do Estado
Outra exposição de Grimmling foi proibida no ano seguinte, mas o artista não desistiu. Ele procurou novos caminhos para exibir seu trabalho, até que, finalmente, uma ideia genial lhe ocorreu. Juntamente com outros cinco artistas, Grimmling organizou o 1° Salão de Outono de Leipzig. O evento de 1984 tornou-se a primeira exposição não censurada a acontecer na República Democrática Alemã.
Graças à filiação à Associação de Artistas Visuais, Grimmling e seu amigo pintor Günther Huniat puderam alugar o espaço de uma agência governamental em Leipzig para a realização da mostra. As autoridades oficiais não imaginavam que os artistas não planejavam expor obras da arte oficial da Associação, mas sim suas próprias criações independentes.
Finalmente, a Stasi – a polícia secreta da Alemanha Oriental – tomou conhecimento dos planos do grupo e classificou o trabalho de Grimmling e seus companheiros como hostil e negativo. Autoridades da segurança questionaram, no entanto, se proibir a exposição não iria atrair atenção demais para os artistas.
Com vista a essas preocupações, a realização da exposição foi permitida, mas com uma importante ressalva: não mais que seis visitantes poderiam vê-la diariamente. No entanto, a mostra foi um sucesso, atraindo mais de 10 mil pessoas ao longo de quatro semanas.
Uma ameaça ao comunismo
Apesar do sucesso da exposição, ela se tornou uma derrota para Grimmling. Para ele, ficou claro que o Estado nunca permitiria a instalação de um segundo Salão de Outono. Essa conclusão o levou a uma importante decisão: ele preencheu uma requisição oficial para deixar a Alemanha Oriental.
O arquivo da Stasi relativo a Grimmling revela que ele era visto como uma causa perdida que não poderia ser reconquistada para o "bem da sociedade". Assim, de forma pouco usual, o pedido de Grimmling para deixar o país foi encaminhado e rapidamente aprovado.
Mudando para Berlim
Em 1986, o artista viajou para Berlim Ocidental, juntamente com sua esposa e a filha pequena. Eles viveram na casa de amigos, enquanto Grimmling montava um ateliê provisório, e começou a pintar, com os parcos materiais de que dispunha, sobre papel de embalagem de uma loja de ferramentas. Ele também vendeu algumas pinturas que sobraram da época em Leipzig.
Pouco a pouco, Grimmling se estabeleceu cada vez mais em Berlim Ocidental. Em 1988, começou a dar aulas de pintura. Três anos mais tarde, tornou-se professor da Escola Superior de Tecnologia da Arte (BTK) em Berlim.
Sobre seu trabalho na BTK, ele explica: "De vez em quando, tento explicar a meus alunos que não só faz sentido, como pode até trazer certo prazer, envolver-se em processos que, você percebe, podem estar manipulados. E há bastante deles, mesmo após a queda do Muro".
Autora: Nadine Wojcik (ca)
Revisão: Augusto Valente