As origens da crise na Volkswagen
29 de outubro de 2024A chefe do conselho de funcionários da Volkswagen, Daniela Cavallo, anunciou nesta segunda-feira (28/10) a notícia bombástica: ao menos três fábricas da montadora na Alemanha estão próximas de serem fechadas, e dezenas de milhares de postos de trabalho deverão ser cortados.
A notícia pegou de surpresa uma grande parte da opinião pública alemã, mas não os especialistas do setor. Um claro sinal de alerta já viera em setembro, quando a maior montadora de automóveis da Europa encerrou uma garantia de emprego que estava em vigor há cerca de 30 anos.
Entre a população, o anúncio causou comoção. "Nenhuma empresa simboliza tanto o milagre econômico, a prosperidade e a reputação global dos produtos made in Germany quanto a Volkswagen", comentou o presidente do instituto econômico DIW, Marcel Fratzscher.
Lucros em queda
No papel, a Volkswagen até que está bem. De acordo com o mais recente relatório anual, em 2023 o grupo até registrou um novo faturamento recorde, de cerca de 332,3 bilhões de euros – um aumento de 15,5%.
A maior fabricante de automóveis da Europa também registrou um aumento no lucro: o lucro operacional anual cresceu para cerca de 22,58 bilhões de euros. Em contraste com o forte crescimento das vendas, no entanto, esse foi um aumento de apenas 2%.
Para 2024, a previsão de lucro foi revisada para baixo, apesar de ainda estar claramente no positivo. Um dos motivos para isso é a queda nas vendas, um problema que também está afetando outros fabricantes de automóveis alemães.
Dependência do mercado chinês
E não há perspectivas de melhora. A forte dependência do setor automobilístico alemão em relação à China, onde ele realiza cerca de um terço de seus negócios, está se mostrando fatal. Durante anos, o mercado automobilístico daquele país garantiu um rápido crescimento e bons lucros.
Mas a situação mudou. No segundo trimestre de 2024, a Volkswagen vendeu quase um quinto a menos de carros na China. Os fabricantes chineses de carros elétricos, mais baratos e mais inovadores, estão agora superando claramente o desempenho da empresa sediada em Wolfsburg.
O mercado de vendas europeu, por si só, não consegue compensar isso. E as novas marcas da China, que crescem rapidamente no seu próprio país, estão agora chegando com força também à Europa, com carros elétricos que muitas vezes são tecnologicamente superiores aos europeus.
Demora com o carro elétrico
Os analistas do setor afirmam que a concorrência dos fabricantes de automóveis chineses e de outros fabricantes estrangeiros só vai aumentar e que a Volkswagen dormiu no ponto ao adiar demais a transição rumo ao carro elétrico e, assim como toda a indústria automotiva alemã, continuar apostando nos motores a combustão.
"Os principais mercados estão na Ásia, e lá é necessário ter carros elétricos competitivos", ressalta especialista Helena Wisbert, do Centro de Pesquisas Automotivas, em Duisburg, na Alemanha, em entrevista ao canal Tagesschau24.
Fratzscher também enfatiza isso: "A decisão contra o motor de combustão e a favor da tecnologia de baterias foi tomada há muito tempo, e não foi e nem seria na Alemanha, mas em todo o mundo e especialmente nos principais mercados, como a China e os EUA", diz.
Depois de largarem atrás, as montadoras alemãs ainda precisaram primeiro adquirir experiência no campo da eletromobilidade, explica o especialista Stefan Bratzel. No início, os custos de produção são mais altos. "Essa também é uma razão pela qual a situação é muito melhor na China, porque eles já adquiriram muito mais experiência e também implementaram as melhorias de eficiência correspondentes", diz.
Dos mais de 4 milhões de carros produzidos na Alemanha em 2023, pouco menos de um quarto era puramente elétrico.
Abaixo da capacidade de produção
Que fábricas na Alemanha agora corram o risco de serem fechadas também se deve ao fato de elas não estarem operando em sua capacidade máxima já há algum tempo. As vendas de carros na Europa caíram significativamente e estão 2 milhões de carros abaixo do nível pré-pandemia, argumenta a Volkswagen.
E os especialistas não esperam um crescimento sustentável na Europa. O mercado local de automóveis é considerado estagnado.
Em agosto, os registros de carros novos na UE caíram 18% em comparação com o mesmo mês de 2023, enquanto na Alemanha a queda foi de quase 28%. A Associação Alemã da Indústria Automotiva (VDA) está prevendo apenas 2,8 milhões de novos registros para o ano como um todo, cerca de um quarto a menos do que no ano pré-crise de 2019.
Esse problema, portanto, não é só da VW. Em média, as fábricas das montadoras alemãs estão trabalhando com cerca de dois terços da capacidade, diz Bratzel. Segundo ele, uma fábrica deveria operar acima de 80% de sua capacidade para se manter viável.
A situação é particularmente ruim em países da Europa Ocidental, como Alemanha, França, Itália e Reino Unido, conforme relata a revista econômica Wirtschaftswoche. Em contrapartida, países como Espanha, Turquia, Eslováquia e República Tcheca ainda atingem uma taxa de utilização de capacidade de 79%. Os salários nesses países são mais baixos do que na Alemanha.
Elevados custos na Alemanha
E esse é outro grande problema, na opinião de muitos especialistas: os custos de produção são muito altos na Alemanha. "A Volkswagen paga salários acima da média, mas, ao contrário dos fabricantes premium, como BMW e Mercedes, opera no segmento popular", observa Wisbert.
Em geral, os custos de mão de obra nas fábricas de automóveis na Alemanha são mais altos do que em qualquer outro país. Em 2023, eles eram de mais de 62 euros por hora, de acordo com a associação do setor VDA. Em comparação, eram de 29 euros na Espanha, 21 euros na República Tcheca e apenas 12 euros na Romênia.
Apesar dos altos salários, em nenhum outro lugar da Europa foram produzidos mais carros em termos absolutos em 2023 do que na Alemanha – embora com uma tendência de queda. Para Wisbert, uma coisa é clara: "A Volkswagen não tem como evitar cortar custos se quiser se manter competitiva".
De acordo com Cavallo, a direção da VW está agora exigindo que todos os salários sejam cortados em 10%. A própria direção também deverá ser afetada. Além disso, não deverá haver aumentos salariais nos próximos dois anos.
Dianteira chinesa
Para as montadoras alemãs, ainda mais preocupante do que os altos custos de produção é a vantagem tecnológica dos seus concorrentes da China no mercado de veículos elétricos. Graças aos generosos subsídios estatais e a medidas regulatórias, eles fizeram grandes avanços tecnológicos nos principais componentes dos veículos elétricos, como as baterias, que agora podem ser produzidas de forma mais barata.
"A transição tecnológica abriu as portas para novos concorrentes cujos pontos fortes estão na engenharia elétrica e de baterias", diz um relatório do instituto econômico IW, de modo que "quase um terço de todos os carros produzidos no mundo agora vem de fábricas chinesas, onde os custos de produção são significativamente mais baixos".
Bratzel diz que os fabricantes chineses estão em uma posição melhor no mercado de carros elétricos porque "eles ganharam muito mais experiência e implementaram melhorias de eficiência".
Os avanços competitivos da China estão se refletindo nos números da produção de automóveis na Europa, que mostram um declínio geral de 40% desde o ano 2000, com a França e a Itália caindo cerca de 50%.
Carro elétrico popular na Alemanha?
Mas como uma produção com elevados custos foi possível na Alemanha? A receita para o sucesso eram modelos premium caros que geravam altas margens de lucro. Cerca de três quartos dos carros eram exportados. Em média, um em cada cinco carros exportados foi para a China.
De acordo com o estudo do IW, a produção na Alemanha não teria sido possível com modelos de baixo custo que são vendidos em grande número, mas têm margens menores. É por isso que os fabricantes franceses e italianos, por exemplo, já há algum tempo estão transferindo sua produção para locais de custos mais baratos.
Bratzel tem uma opinião semelhante: "É simplesmente extremamente difícil produzir veículos populares, incluindo veículos elétricos, na Alemanha." Recentemente, a empresa e.Go, de Aachen, tentou fazer isso e acabou falindo.