"Atirar para matar" com apoio do Estado e da opinião pública
25 de julho de 2005A imprensa britânica reagiu ao erro policial que culminou com a morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, criticando a falta de transparência da Scotland Yard e a irrelevância das sensibilidades das minorias étnicas diante do perigo de terrorismo.
"Foi um deslize do ministro do Exterior, Jack Straw, ter negado que isso foi um grande baque para a polícia", julgou o jornal britânico liberal de esquerda The Guardian. "O chefe da Scotland Yard, Sir Ian Blair, sabe muito bem o quanto um equívoco desses pode pesar. O maior erro de todos, no entanto, foi não ter preparado a opinião pública para as cenas de violência que o país ainda vai viver. Mesmo enquanto ainda se pensava que o Sr. Menezes era um terrorista suicida, testemunhas oculares se mostraram horrorizadas com a brutalidade com a qual ele foi morto."
Prevenção de terrorismo, prioridade máxima
O diário conservador britânico The Daily Telegraph, por sua vez, criticou a falta de tato da Scotland Yard em sua justificativa do ocorrido: "Na tentativa de explicar por que Jean Charles de Menezes recebeu cinco tiros na cabeça, o chefe da Scotland Yard, Sir Ian Blair, declarou que a ação policial não foi a 'causa profunda' da morte do Sr. Menezes. Esta foi apenas a mais recente de uma série de declarações que podem ser mal entendidas. Perguntamo-nos se a polícia londrina tem a chefia que merece".
"A prevenção contra outros atentados deve ser a prioridade máxima da polícia; palavras bonitas em coletivas de imprensa realmente podem ser relegadas a segundo plano. Às vezes, estas prioridades são até mesmo inconciliáveis, por exemplo, quando o vice de Sir Ian, Brian Paddick, se recusa a associar mesmo de longe os terroristas ao islamismo – o que é uma verdadeira bobagem. Em Nova York, o chefe da polícia quebra a cabeça sobre questões de segurança e com sensibilidades de minorias étnicas."
Direito de atirar, mesmo após morte de inocente
O colunista Bruce Anderson, do Independent, endossou a estratégia da Scotland Yard, afirmando que "a polícia tem o direito de atirar, mesmo se desta vez ela tenha acertado o homem errado". "Ninguém que se comporta como o Sr. de Menezes pode ser poupado dos acontecimentos atuais. Ao considerarmos a morte de Menezes, é importante manter o senso de proporção. (...)"
"No mais perigoso dos contextos, um homem se comporta de forma suspeita. Recusando-se a parar, ele sai correndo para dentro da estação de metrô. Os policiais o perseguem, embora possam estar correndo em direção à sua própria morte. Eles o alcançam e o eliminam da maneira planejada para minimizar o risco de se detonar uma bomba."
"Regras claras" para policiais
Ao que tudo indica, a intenção de Londres é manter a estratégia de "atirar para matar" em caso de suspeita de terrorismo, mesmo em detrimento da segurança da população civil. O ministro britânico do Exterior, Jack Straw, defendeu a atuação da Scotland Yard e destacou a importância de a polícia enfrentar a ameaça de atentados suicidas. "Obviamente, a morte de Menezes é profundamente lamentável, mas temos que levar em conta a pressão sob a qual os policiais trabalham. Temos que assegurar regras claras nesta prática."
O comissário-chefe da Scotland Yard, Sir Ian Blair, admitiu que a polícia poderá vir a disparar contra mais alguém em algum cerco contra possíveis terroristas suicidas. Ele confirmou que a prática policial que culminou com a morte de Menezes será mantida, explicando que, quando o terrorista carrega explosivos no corpo, não haveria outra alternativa, a não ser baleá-lo na cabeça.
Basta aparência "suspeita"
A polícia britânica aprendeu este método de combater terroristas suicidas com as Forças Armadas de Israel, conforme confirmou à mídia britânica o antecessor de Ian Blair na chefia da Scotland Yard, Lord Stevens. Embora a polícia não se refira a uma nova tática, há indícios suficientes de que a divisa "shoot to stop", atirar para deter, foi substituída por "shoot to kill", atirar para matar.
A organização de defesa dos direitos humanos Liberty exigiu uma investigação abrangente do caso Menezes. A União Muçulmana da Grã-Bretanha declarou que os muçulmanos estariam com medo de sair nas ruas e pegar o metrô: "Dar a alguém a licença para matar por causa de uma suspeita é algo que põe medo nas pessoas", declarou o porta-voz Tazzam Tamimi à BBC. Para Tamimi, o mais problemático é o fato de a mera aparência da pessoa ser razão suficiente de suspeita.