Aumenta pressão sobre Hollande após ataque em Nice
20 de julho de 2016Enquanto no ano passado os ataques terroristas em Paris provocaram uma onda de solidariedade e liberdade de expressão, o atentado ocorrido em Nice no último Dia da Bastilha (14/07) está semeando o ódio e dividindo os franceses.
Em santuários improvisados, buquês de flores homenagearam as 84 pessoas que morreram quando o tunisiano Mohamed Lahouialej Bouhlel avançou com um caminhão contra uma multidão que assistia a uma queima de fogos de artifício em Nice. Mais uma vez, a bandeira francesa ficou a meio mastro durante os três dias de luto oficial.
No entanto, o surpreendente aumento no apoio ao presidente François Hollande visto no ano passado desapareceu. Ao lado de preocupações sobre emprego e a fraca economia, a segurança está emergindo como um tema-chave de campanha antes das eleições do ano que vem.
Nesta terça-feira, legisladores franceses votaram a favor da extensão do estado de emergência no país por mais seis meses. No entanto, alguns sugerem que a medida pode ter impacto limitado – afinal, ela não conseguiu impedir o ataque em Nice.
Críticos condenam o governo de Hollande por supostos lapsos de segurança e argumentam que ele não conseguiu aprender as lições do ano passado. Ao mesmo tempo, há quem observe que o problema não é limitado à França, e que as soluções são difíceis.
"Com o que aconteceu na Alemanha, vemos que a ameaça está por toda parte", declarou o ministro da Defesa francês, Jean Yves Le Drian, a uma emissora de rádio, se referindo ao ataque desta segunda-feira num trem regional em Würzburg, no sul da Alemanha.
Segurança na agenda eleitoral
"No momento, a discussão é sobre a resposta em termos de segurança", aponta Jérôme Sainte-Marie, presidente do instituo de pesquisa PollingVox, com sede em Paris. Com as eleições se aproximando, "o assunto será politizado". "As pessoas vão começar a falar sobre imigração, islã e, especialmente, Europa", afirma.
Ninguém consegue oferecer uma resposta simples, especialmente na França, país onde se estima que vivam cinco milhões de muçulmanos, a maior comunidade da Europa Ocidental. Apenas uma pequena porcentagem teria se inclinado ao islã radical.
À primeira vista, autoridades afirmam que Bouhlel, de 31 anos, que emigrou da Tunísia há cerca de uma década, não parecia ser um desses radicais. Eles ainda buscam possíveis ligações com o grupo "Estado Islâmico" (EI), que reivindicou o ataque.
No entanto, após três grandes atentados terroristas em 18 meses, a paciência da população está se esgotando. O primeiro-ministro francês, Manuel Valls, e outros ministros foram vaiados ao participarem de um minuto de silêncio em Nice, nesta segunda-feira. Além disso, eles ouviram palavras como "assassinos" e pedidos de renúncia.
Falta de confiança
Uma pesquisa de opinião conduzida pelo instituto francês IFOP após o atentado da semana passada aponta que 67% dos franceses não confiam na maneira como o governo está lidando com o terrorismo.
Ao contrário dos ataques em Paris – em janeiro contra a sede do jornal satírico Charlie Hebdo, e em novembro, contra bares, restaurantes e uma casa de shows –, o de Nice teve um efeito mais amplo, afirma o analista Sainte-Marie. "Todos os franceses se sentem diretamente ameaçados", disse.
Faltando somente nove meses para as eleições, os rivais de Hollande focam nesses temores. "Sei que não deveríamos brigar e atacar uns aos outros enquanto as vítimas ainda nem foram enterradas", afirmou o ex-presidente Nicolas Sarkozy, que lidera o partido Os Republicanos, o principal de oposição, em entrevista à televisão francesa. "Mas tudo o que deveria ter sido realizado nos últimos 18 meses não foi feito."
O ex-primeiro-ministro Alain Juppé, outro provável candidato à presidência, usou palavras parecidas. "Se tudo tivesse sido feito, esse ataque [de Nice] não teria acontecido", declarou o conservador.
Por sua vez, a líder da extrema direita Marine Le Pen, cuja retórica anti-imigração ressoa mais do que nunca, foi mais longe e pediu a renúncia do ministro do Interior francês. "Em qualquer outro país, um ministro com o histórico vergonhoso de Bernard Cazeneuve já teria se demitido há muito tempo", opinou.
Medidas controversas
As medidas tomadas pelas autoridades francesas nos últimos meses são motivo de controvérsia. Grupos de direitos humanos dizem que o estado de emergência tem levado a abusos, como detenções arbitrárias, apesar de uma comissão parlamentar ter concluído que as medidas de emergência tiveram pouco efeito no combate ao terrorismo.
O analista de segurança François Heisbourg também classificou a resposta do governo como insuficiente e ineficaz. "Quantos mortos e feridos, famílias devastadas, franceses angustiados e aliados chocados serão necessários para que nossas autoridades unam esforços, se é que isso é mesmo possível?", questionou em artigo publicado no jornal Le Monde.
Autoridades afirmam que a crítica é injusta, advertindo que a luta contra o extremismo será longa e árdua. "Até agora, nenhum outro governo tem feito mais para combater o terrorismo", afirmaram Cazeneuve e Valls num comunicado conjunto, incrementado com uma série de estatísticas. Valls disse, mais tarde, que um ataque particularmente sangrento foi frustrado às vésperas da Eurocopa.
Alguns concordam que poucas medidas são infalíveis. "Os ataques estão se tornando realmente pessoais", afirma a professora aposentada Maryse Pinheiro, afirmando que seu apoio à esquerda não foi abalado após o atentado em Nice. "Eles poderiam acontecer em qualquer lugar da Europa. Ninguém pode prevê-los."
Sainte-Marie afirma que, algumas vezes, o próprio comportamento do governo não ajuda. O analista aponta para os sinais contraditórios que Hollande tem enviado nos últimos dias. Primeiro, ele anunciou num discurso no Dia da Bastilha que o estado de emergência chegaria ao fim ainda neste mês. Então, horas após o ataque em Nice, pediu pela extensão da medida.
"Isso dá a impressão de um presidente sobrecarregado pelos acontecimentos, alguém que perdeu o controle sobre eles", opina Sainte-Marie.