Aung San Suu Kyi, uma vida dedicada a Mianmar
11 de abril de 2014Em visita a Alemanha, a líder da oposição em Mianmar, Aung San Suu Kyi, recebeu nesta sexta-feira (11/04) o prêmio internacional Willy-Brandt, concedido pelo Partido Social-Democrata (SPD) a pessoas e instituições que desempenharam um importante papel internacional em prol do entendimento entre os povos.
Na quinta-feira ela havia sido recebida pela chanceler federal alemã, Angela Merkel, que prometeu apoio ao processo de democratização em Mianmar.
Por seu ativismo político, Suu Kyi já recebeu diversas condecorações ao longo da vida, como o Prêmio Sakharov para a Liberdade de Pensamento (1990), a Medalha de Ouro do Congresso dos EUA (2008) e o Nobel da Paz de 1991, o qual só pôde receber 21 depois, por estar presa à época.
"Com coragem e determinação, Aung san Suu Kyi provou que ninguém pode tirar a liberdade e a dignidade de um ser humano", elogiou o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, durante primeiro encontro com a política de Mianmar, em 2008.
Responsabilidade política
Em entrevista à revista Vanity Fair, Suu Kyi contou que se sentiu compelida ao engajamento político devido a suas origens. "Por conta de meu pai, eu me sentia na obrigação de me engajar", declarou. Até hoje admirado em Mianmar, Aung San, pai de Suu Kyi, conduziu o país à independência dos colonizadores britânicos. Ele foi assassinado por opositores em 1947.
Na época, a mãe de Suu Kyi era deputada e ministra. Em 1960, ela partiu com os filhos para a Índia, onde atuou como primeira embaixadora da então Birmânia.
A política fez parte da vida de Aung San Suu Kyi durante toda a infância e a juventude. Mais tarde, ela estudou Filosofia, Política e Economia em Oxford e, ainda que já tivesse certa atuação política, não poderia imaginar que se tornaria um dos ícones globais em defesa dos direitos humanos.
O decisivo ano de 1988
Em 1988, quando trabalhava para uma instituição de ensino superior na Índia, Suu Kyi viajou a Yangon para cuidar da mãe doente. Poucos dias depois, ela vivenciou protestos violentos de estudantes em seu país e viu a queda do general Ne Win, que há mais de duas décadas atrás estabelecera uma ditadura militar no país. A jovem ativista então se juntou à oposição e se tornaria em breve um dos rostos mais conhecidos do movimento, sobretudo no Ocidente.
Em seu primeiro discurso público, no dia 26 de agosto de 1988, Suu Kyi defendeu, diante de uma plateia de 500 mil pessoas em Yangon, um recomeço político para o país. Com a situação cada vez mais fora de controle, as Forças Armadas responderam de maneira brutal. Muitas pessoas morreram, milhares de oposicionistas ficaram presos por décadas.
Libertação do medo
Suu Kyi tornou-se rapidamente uma das mais conhecidas críticas do governo militar e passou a defender a resistência pacífica. "Não é por questões morais que eu sou contra a violência, mas por questões políticas e práticas", afirmava.
Para ela, a não-violência está ligada à libertação do medo. "Não é o poder que corrompe, mas o medo. O medo de perder o poder corrompe quem o tem. O medo do abuso de poder corrompe quem é comandado", discursou Suu Kyi durante a entrega do prêmio Sakharov.
Seguidora da escola Teravada do budismo, a ativista de Mianmar sempre defendeu uma revolução espiritual, a exemplo de Gandhi, por ela venerado. Suu Kyi acreditava que uma simples reforma política não traria a cura duradoura necessária para a sociedade.
A primeira chance concreta para a mudança de rumo em Mianmar aconteceu em 1990, quando o partido de Suu Kyi, a Liga Nacional para a Democracia, obteve 59% dos votos nas primeiras eleições gerais. Os militares, porém, se recusaram a reconhecer o resultado da votação até que uma nova Constituição fosse elaborada. O país passaria então mais 20 anos sob o controle das Forças Armadas.
Suu Kyi cumpriu prisão domiciliar por mais de 15 anos, até 2011. O governo fez questão de ressaltar que ela estava livre para deixar o país quando quisesse, fosse para visitar seu marido, muito doente, fosse para receber pessoalmente o Nobel da Paz. Mas ela sempre negou a oferta, pois sabia que somente ficando em Mianmar ela poderia ter alguma influência no rumo político do país.
De ícone a representante do povo
Apenas em 2010, quando os militares deixaram o poder, a abertura de Mianmar passou a ser possível. Aung San Suu Kyi foi libertada da prisão domiciliar e, em abril de 2012, foi eleita para uma vaga no Parlamento. Pela primeira vez a ativista poderia exercer um mandato e transformar suas ideias em projetos políticos concretos.
O jornalista Zeya Thu ressalta que, mesmo com o histórico de lutas de Suu Kyi, até 2012 ela era desconhecida da maioria da população em Mianmar. Sabia-se apenas que ela cumprira prisão domiciliar e era contra o governo militar. Mas isso hoje mudou.
"Antes ela era um ícone da democracia, hoje é uma política", afirma Zeya Thu. Ou seja, isso também significa, diz ele, que ela precisa aceitar as regras do jogo político, que muitas vezes são sujas e traiçoeiras.
Sendo assim, as primeiras críticas à ativista não tardaram a aparecer. Alguns apontam que ela não se preocupa o suficiente com as minorias étnicas. Outros afirmam que seu partido tem um estilo muito autoritário e que ela se deixou envolver com os antigos adversários militares.
Segundo a avaliação do jornalista, até agora o ícone Suu Kyi alcançou mais que a política Suu Kyi. "Apesar disso, ela prefere ser política a ser ícone, pois só assim mudanças concretas podem ser implementadas", afirma. E isso ela pode conseguir a partir de 2015, quando disputará a presidência de Mianmar.
Suu Kyi já declarou que pretende participar das eleições presidenciais em 2015. No entanto, ela pode enfrentar um impedimento constitucional, que proíbe a candidatura de nacionais casados com estrangeiros. O marido de Suu Kyi, falecido em 1999, era inglês e seus dois filhos têm nacionalidade britânica.
Mas Zeya Thu está otimista. "Como a relação entre Aung San Suu Kyi e os militares hoje em dia é muito melhor do que era no passado, provavelmente a Constituição deverá ser mudada."