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Carros e mobilidadeAlemanha

Autobahns enfrentam cada vez mais críticas na Alemanha

Stuart Braun
4 de julho de 2022

Antiga obsessão dos alemães pelas autoestradas de alta velocidade pode estar com os dias contados. Na contramão das metas climáticas, seus custos ambientais e humanos ocultos chegam aos bilhões de euros.

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Autoestrada congestionada
A fórmula é simples: quanto mais estradas de alta velocidade, mais carros e mais congestionamentosFoto: Jochen Tack/dpa/picture alliance

Ao lançar a icônica canção Autobahn, em 1975, a banda eletrônica alemã Kraftwerk celebrava a liberdade de movimento em autoestradas onde se podia correr sem limites de velocidade. Hoje, contudo, com a crise climática exigindo a redução das emissões carbônicas dos transportes, essas super-rodovias são fonte de controvérsias crescentes.

Embora as origens da autobahn sejam erroneamente atribuídas a Adolf Hitler – o ditador nacional-socialista completou as primeiras autoestradas com trabalho forçado, mas elas foram uma invenção da República de Weimar –, hoje seu mito é associado ao fracasso da Alemanha em cumprir seus compromissos climáticos.

O transporte gera mais de 20% das emissões de CO2 alemãs, além de ser um dos dois setores que furaram as metas carbônicas anuais em 2021. No entanto, projetos de construção de mais 850 quilômetros de autoestradas – em vez de rodovias elétricas de baixa emissão ou ciclovias de alta velocidade – dominam o plano federal de transportes para 2030.

País sofre de mania de autoestradas

A oposição a essa expansão cresce: segundo os ativistas, as rodovias são caras demais e comprometem a capacidade de cumprir as metas previstas na legislação. O relatório Desastre às dúzias: Doze autobahns de que ninguém precisa, publicado em 2021 pela Federação Alemã de Conservação do Meio Ambiente e da Natureza (Bund), denunciou a mania de construção irrefreada de autoestradas que tem o país.

O estudo mostra que 80% da planejada autoestrada A20, ao longo do litoral noroeste, atravessará pântanos e mangues que capturam 450 milhões de toneladas de dióxido de carbono. Espécies animais raras e a flora local também serão destruídas, e o projeto custará pelo menos 6 bilhões de euros, o triplo do calculado em 2016.

Enquanto isso, o pouco que resta na Alemanha de florestas nativas também está sendo desmatado para acrescentar ainda mais quilometragem àquela que já é a mais densa rede rodoviária da Europa.

Em março, o anúncio da expansão adicional da A100, que atravessa Berlim, levou centenas às ruas protestando que a via aumentará a poluição e destruirá uma parte essencial do ambiente urbano e da vida cultural da capital.

O estado de Berlim se opõe à extensão, mas o governo federal, em cuja competência se encontram as autobahns e estradas nacionais, pretende levar os planos adiante. Enquanto isso, "o resto da Europa está tirando os carros das cidades, porque é melhor para o clima, a saúde pública, a qualidade de vida", ressalta Benjamin Stephan, especialista da ONG Greenpeace Alemanha em transportes e mudança climática.

Quanto mais autobahns, mais carros

Mas o governo federal continua impulsionando a extensão das autobahns, custe o que custar. Nem mesmo a imposição de limites de velocidade, que reduziriam as emissões, consegue suficiente apoio no nível federal, portanto em 70% dessas vias os motoristas ainda podem enfiar o pé no acelerador sem restrições. Segundo uma análise da Greenpeace, um limite de 100 km/h seria também a maneira mais rápida de reduzir o consumo de combustível fóssil no contexto da guerra russa na Ucrânia.

Extensões rodoviárias e construção de pistas extras são uma medida comumente adotada para resolver os gargalos nas autoestradas onde o congestionamento é crônico. Entretanto o efeito de longo prazo dessas expansões é criar mais tráfego, afirma Udo Becker, ecologista de transportes da Universidade Técnica de Dresden.

O problema é, em parte, cultural e histórico, relacionado a um "paradigma tradicional" de crescimento ilimitado, nascido num país destruído do pós-guerra, explica. "'Mais é melhor' é uma noção encravada na nossa perspectiva: mais estradas e mais tráfego é melhor."

Esse paradigma também serviu à indústria automobilística alemã, responsável por quase 10% do PIB nacional em 2020 e com laços notórios com chefes de governos passados, inclusive Angela Merkel, certa vez apelidada "Autokanzlerin", "chanceler federal dos carros".

Ciclistas em autorestrada
Ciclistas ocupam a A100 em Berlim em 2021, em sinal de protestoFoto: A. Friedrichs/imago images

"Contabilizados os custos reais, autoestradas não seriam construídas"

Nem os custos reais da expansão rodoviária continuada são argumento suficiente para superar essa mentalidade, aponta Becker. "O que sairá dessas extensões da A100 são, claro, emissão de gases-estufa, mais custos, mais barulho e mais poluição." Contudo, tais fatores são raramente contabilizados no planejamento rodoviário.

A Comissão Europeia calculou que esses custos "externos" dos transportes, incluindo acidentes, poluição atmosférica, mudanças climáticas, barulho, congestionamento e danos ambientais, somaram quase 1 trilhão de euros em toda a União Europeia em 2019. Só os transportes rodoviários geraram 83% desse total.

Se esses custos ocultos fossem contabilizados nos orçamentos para a construção de autoestradas federais, "elas nunca seriam construídas", afirma Benjamin Stephan, da Greenpeace.

Em 2020, na qualidade de líder do Partido Verde, Annalena Baerbock pediu uma moratória sobre a construção das autobahns. Na época, sua sigla estava em ascensão e ela própria era cogitada como potencial chanceler federal.

No entanto, desde que assumiram o poder em dezembro, em coalizão com os partidos Social-Democrata (SPD) e Liberal Democrático (FDP), os verdes não se comprometeram a uma moratória nem a um limite de velocidade para economizar combustível e reduzir as emissões de CO2.

Os esforços para apresentar uma frente unida dentro da nova coalizão social-democrata-liberal-verde deram ao ministro dos Transportes Volker Wissing, do partido pró-empresariado FDP, carta branca para apoiar projetos de autobahns como a A1 em Berlim, afirma Dorothee Saar, especialista em transportes da ação ambientalista Deutsche Umwelthilfe, sediada em Berlim.

Ela observa que o transporte só é mencionado vagamente na nova legislação climática alemã, que estabelece a ambiciosa meta de, até 2030, reduzir as emissões em quase 50% em relação aos níveis de 2019. No entanto, não é citada uma data para eliminar os motores de combustão interna – ainda que se mencione o acordo da UE para só registrar veículos carbonicamente neutros a partir de 2035.

Acidente rodoviário fotografado a partir de janela de carro
Acidentes fazem parte do custo oculto das autobahnsFoto: Martin Ley/picture alliance

Esperança na Justiça

Política à parte, segundo Saar, o principal obstáculo para a reforma dos transportes é a "remoção, do planejamento existente, de projetos [obsoletos]", que foram aprovados e estão consagrados em lei. Ela menciona uma proposta de ambientalistas para que se estabeleça uma nova Lei Federal de Mobilidade, tornando as metas climáticas parte integral do planejamento no setor de transportes.

Alguns ativistas apostam em que um tribunal federal vá deliberar que as extensões das autobahns infringem os comprometimentos climáticos da Alemanha. Um precedente foi estabelecido em 2021, quando o juiz declarou que o governo precisava atualizar sua legislação climática com metas mais decididas.

No momento, a organização ambientalista Bund e ativistas locais estão tentando processar o governo federal pelos impactos climáticos da construção da A20 no noroeste do país. A decisão é esperada para o próximo dia 7 de julho e, se o tribunal decidir em favor dos ambientalistas, esse pode ser o fim do longo vício alemão das autobahns, antecipa Benjamin Stephan, da Greenpeace: "Isso jogaria por terra todos os 850 quilômetros planejados".