Banido na Europa, partido curdo PKK combate o "Estado Islâmico"
13 de setembro de 2014A escadaria de linóleo que leva a uma acanhada porta cinzenta, em um edifício localizado em algum ponto do centro de Berlim, está desgastada e um pouco suja. Lá dentro, vários homens de meia-idade se reúnem ao redor de uma mesa repleta de jornais e cinzeiros abarrotados.
Enquanto tomam seu chá preto forte na sala esfumaçada, um noticiário curdo anuncia os últimos acontecimentos nas frentes de batalha no norte do Iraque. Homens e mulheres em uniformes militares marcham em frente à câmera de TV. A música marcial de fundo quase se sobrepõe ao acalorado debate entre os homens.
Atrás de um balcão um tanto engordurado, um senhor de idade vende o chá a 50 centavos de euro o copo. Ele aponta para uma vasilha cheia de cubos de açúcar e explica sorridente: "Você poderá precisar de um ou dois". Ele veste uma jaqueta bege desbotada e uma camiseta branca com a imagem de Abdullah Ocalan, o líder do Partido dos Trabalhadores Curdos (PKK), atualmente na prisão.
O PKK, de tendência esquerdista, foi banido na Alemanha em 1993 após uma série de atentados a instituições e agências de viagens turcas. Em Berlim, expor a bandeira verde, amarela e vermelha do partido, ou mesmo imagens de Ocalan, pode resultar em ações criminais.
Ao ver o senhor de idade abotoando a jaqueta para ocultar a imagem de Ocalan, ao sair do pequeno apartamento, pergunto ao anfitrião Ali – um homem com cerca de 50 anos e um impecável bigode – se isso não seria perigoso. Ele encolhe os ombros e balança a cabeça. "Não, não temos medo", diz, e conta que a polícia costuma fazer vista grossa.
"Lutando por uma causa justa"
Ali me leva a um pátio, entre escuros edifícios comerciais, e me conduz a uma pequena mesa junto a uma frágil cadeira de plástico. Ele conta que é o "encarregado das relações públicas" do local, e acena para os homens assistindo à TV e para duas jovens fumando em um canto do pátio.
O lugar, conta, é um clube curdo, aonde as pessoas vão para se encontrar, conversar e todos os seus membros, diz, apoiam o PKK. Mas nem todos ali são curdos. Alguns vão ao local atraídos pela ideologia esquerdista da organização.
Assim que surge uma oportunidade, Ali inicia um longo discurso de elogios ao PKK, contando sobre os ideais de igualdade, suas qualidades democráticas e tendências anticapitalistas. Quando interrompido por uma pergunta que considera irrelevante, ele se recosta na cadeira, franzindo o rosto. Uma dessas questões era sobre a razão pela qual ele apoia o PKK. Ele desdenha a pergunta, e diz que o motivo é óbvio. "Eles lutam por uma causa justa."
Falando em alemão, com sotaque bastante carregado, ele conta sobre sua infância em uma pequena cidade no leste da Turquia. Ali fugiu para a Alemanha em 1972, após ter sido brutalmente espancado pela polícia, aos 13 anos de idade. Apenas porque ele, mais uma vez, teria insistido em conversar no idioma curdo com seus colegas de escola.
"Ameaçaram me matar na próxima vez que me encontrassem, então fugi", conta. Era o início dos anos 1970. Em sua tentativa de assimilar completamente a população curda, o governo turco lançava mão de medidas repressivas, e, às vezes, violentas. Conversar em curdo, ouvir música curda, ou até mesmo dar um nome curdo a uma criança poderia resultar em longas penas de prisão.
Raízes profundas na Alemanha
Em resposta, o PKK deflagrou, no começo dos anos 1980, uma guerrilha contra o governo turco. Muitos de seus amigos na Turquia aderiram à luta. Ali conta que se tivesse permanecido no país, provavelmente estaria morto. "Muitos dos meus amigos simplesmente desapareceram."
Na Alemanha, Ali fez o possível para apoiar a causa. Organizou e participou de comícios e convidou palestrantes para os eventos públicos organizados pelo braço político do PKK na Europa.
Ele faz questão de frisar que a coleta de fundos para as operações militares do partido – considerado crime devido ao rótulo de organização terrorista dado ao PKK – nunca fez parte de seu trabalho. "Se alguém quiser dar dinheiro a organizações curdas, será mais do que bem-vindo". Ele acrescenta que as doações são voluntárias, refutando relatos de coerção e chantagem.
Segundo o Departamento Federal de Informações da Alemanha (BND, na sigla em alemão), o país, que abriga a maior diáspora curda na Europa, é uma fonte importante de financiamento das operações militares do PKK. Um relatório recente do BND aponta que, dos cerca de 800 mil curdos no país, 13 mil formam a "base principal de apoio" do PKK.
Na opinião de Gülistan Gürbey, cientista política radicada em Berlim, o verdadeiro número é certamente maior. "O PKK está profundamente enraizado na diáspora curda", afirma.
Ela está convencida de que chegou o momento de repensar o rótulo de organização terrorista dado ao PKK, na Alemanha e na Europa. "Há anos que o PKK não recorre à violência na Europa", diz, ressaltando também o papel atual do partido no combate aos avanços da milícia radical sunita "Estado Islâmico" (EI) no norte do Iraque e na Síria.
"O PKK luta contra uma ameaça à sua existência na região", afirma Gürbey, acrescentando que essa seria a explicação para a imagem mais positiva do partido nos últimos meses.
Ela se refere aos comentários de diversos políticos alemães, incluindo os apoiadores de longa data membros do partido A Esquerda, que compartilham a visão anticapitalista do PKK. O partido esquerdista alemão, inclusive, já pediu a reavaliação do banimento imposto à agremiação curda.
Apoio e desconfiança
Além destes, políticos de outros partidos também aderiram ao debate. O parlamentar do Partido Social Democrata (SPD) Rolf Mützenich afirmou à DW que "agora é um bom momento para considerarmos os desenvolvimentos na Turquia".
No final de 2012, o governo turco e o PKK iniciaram um processo de paz que resultou em um cessar-fogo e em conversações, ainda em andamento. Mützenich afirma que caso as duas partes cheguem a um acordo duradouro, chegará o momento de um debate político sobre o status do PKK na Alemanha e na Europa. No entanto, acrescenta que pode levar anos até que se chegue a um acordo.
O parlamentar do SPD ressaltou, no entanto, que qualquer reavaliação do PKK deve ser realizada sem que se leve em conta a luta da organização contra o EI. O especialista em política externa aponta que a desconfiança poderá ainda prevalecer, como, por exemplo, no Ministério alemão do Interior.
Alguns de seus colegas no Parlamento, como Volker Kauder, da União Democrata Cristã (CDU), partido da chanceler federal Angela Merkel, se recusam a considerar esse debate. "Não, a questão do status do PKK não é algo que pensamos em mudar", afirmou o parlamentar á DW.
Essa posição também é compartilhada pelo Ministério do Interior em Berlim. Um porta-voz da instituição reforçou que, enquanto o PKK se absteve de ações violentas na Europa nos últimos anos, suas relações com a violência ainda permanecem "táticas".
Possível retorno à violência
Zübeyir Aydar, o líder do braço político do PKK na Europa, o KCK, refuta tais acusações. "Nós aderimos às leis alemãs", afirmou Aydar à DW em Bruxelas, que abriga muitos dos líderes da organização.
Ele afirma que acompanha de perto o debate na Alemanha, que já é aguardado há muito tempo. Ele admite, no entanto, que o PKK poderá voltar a utilizar métodos violentos na Turquia, se o processo de paz fracassar. "Isso levaria a uma situação difícil e que poderia resultar em um novo surto de violência. Mas não é isso que queremos, preferimos uma solução política", diz.
No clube curdo em Berlim, Ali está novamente com o rosto franzido. Ele reflete após ser perguntado sobre o que faria se um de seus três filhos decidisse aderir à luta do PKK contra o "Estado Islâmico".
Após algum tempo, ele encolhe os ombros e responde que "não apelaria para que eles fossem ou para que eles ficassem, esta seria uma decisão deles próprios". Ele então se debruça sobre a mesa e diz: "há muitas coisas que eu faria se ainda tivesse forças". Ali se levanta repentinamente e sai, mas apenas para voltar com mais dois copos de chá preto.