Bento 16 falhou em coibir abuso infantil, diz relatório
20 de janeiro de 2022Um relatório sobre abuso sexual infantil divulgado na Alemanha nesta quinta-feira (20/01) acusou Joseph Ratzinger, o papa emérito Bento 16, de não ter agido em pelo menos quatro casos de abuso quando era arcebispo de Munique e Freising, de 1977 a 1982.
Dois dos casos de abuso sexual envolvem padres que foram punidos criminalmente, mas não sofreram sanções da Igreja e puderam continuar ativos no trabalho direto com os fiéis. Nenhum cuidado ou compensação tampouco foi dado às vítimas.
Ainda segundo o relatório, Bento 16 tinha conhecimento do histórico de pedofilia do padre Peter H., que foi transferido da diocese de Essen para Munique em 1980. H. foi condenado por pedofilia e depois cometeu novos abusos sexuais em Munique.
A investigação independente foi realizada pelo escritório de advocacia Westphal Spilker Wastl, a pedido da Igreja Católica, e examinou casos de abusos ocorridos na arquidiocese de Munique e Freising de 1945 a 2019.
Bento 16, que está com 94 anos, rejeitou a acusação de ter ficado inerte quando era o responsável pela arquidiocese, e a sua posição foi publicada no relatório.
O advogado Martin Pusch, um dos responsáveis pela investigação, afirmou que a resposta enviada pelo papa emérito oferece uma "visão autêntica" sobre a atitude pessoal de um membro importante da Igreja Católica em relação aos abusos. Mas ele disse não acreditar que Bento 16 não sabia dos casos, como alegado pelo papa emérito, considerando o conjunto de documentos analisados na apuração.
Pelo menos 497 vítimas
A investigação teve o objetivo de identificar causas sistêmicas e apurar responsabilidades na liderança da arquidiocese de Munique e Freising, e encontrou indícios de pelo menos 497 vítimas de abuso sexual de 1945 a 2019, em sua maioria ocorridos nas décadas de 1960 e 1970.
Segundo o relatório, 247 vítimas eram do sexo masculino, 182 do sexo feminino, e em 68 casos não foi possível determinar o sexo. A investigação apontou 60% dos meninos tinham de 8 a 14 anos quando sofreram abusos. Pusch ressaltou que os resultados abrangem apenas os casos que vieram à tona e presume que muitos outros ficaram fora dos registros.
O trabalhou investigou 235 suspeitos de terem cometidos abusos, dos quais 173 eram padres. O relatório aponta que 67 clérigos deveriam ter sido punidos pela Igreja devido à "alta densidade das suspeitas", mas 40 deles seguiram desempenhando atividades pastorais, dos quais 18 mesmo após terem sido condenados criminalmente.
A arquidiocese de Munique e Freising é uma das mais importantes e ricas da Alemanha, e a investigação cobre as gestões de diversos cardeais, dos quais dois ainda estão vivos além de Bento 16: Friedrich Wetter, que comandou a arquidiocese de 1982 a 2008 e está com 93 anos, e Reinhard Marx, que a comanda desde 2008 e tem 68 anos.
Marx também foi acusado no relatório de ter ficado inerte, em especial em dois casos suspeitos de abuso no qual teria tomado decisões erradas. Ele negou ter "responsabilidade moral" e atribuiu a responsabilidade a um vigário-geral. Marx não participou da apresentação do relatório nesta quinta-feira.
Pusch ressaltou que as vítimas de abusos "praticamente não foram levadas em consideração" por líderes da Igreja Católica até 2022, e quando foram isso se deveu "não ao sofrimento infligido a elas, mas porque eram vistas como ameaças à instituição".
Esforço investigativo
Na Alemanha, desde 2010 os bispos vêm tentando lidar com os seguidos relatos de abuso sexual ocorridos na Igreja Católica e ao mesmo tempo evitar que o controle e a análise dos arquivos passe para a competência do Estado.
De 2014 a 2018, especialistas de diversas instituições examinaram arquivos de dioceses alemãs do período de 1946 a 2014. Não foi possível analisar todo o material, e alguns documentos estavam incompletos.
Ao final, eles concluíram que 4,4% dos clérigos cujas fichas pessoais foram examinadas tinham sido acusados de abuso, e falou-se em 3.677 vítimas e 1.670 clérigos abusadores.
Depois disso, cerca de dois terços das 27 dioceses alemães iniciaram novas investigações, e algumas já publicaram seus resultados, com novos casos de abuso frequentemente sendo divulgados.
Em 2021, Marx, que foi presidente da Conferência Episcopal Alemã de 2014 a 2020, ofereceu ao papa Francisco a sua renúncia, com o argumento de que era preciso compartilhar responsabilidade pela "catástrofe" dos abusos sexuais cometidos por clérigos nas últimas décadas.
O papa Francisco, porém, rejeitou a renúncia de Marx. "A Igreja inteira está em crise por conta da questão dos abusos", escreveu o papa. "Assumir a crise, pessoal e comunitariamente, é o único caminho fecundo, porque de uma crise não se sai sozinho, mas em comunidade", afirmou Francisco.
bl/lf (AFP, DW, ots)