Berlim reabre a famosa Friedrichstrasse para carros
7 de fevereiro de 2024É uma tarde ensolarada e fria de novembro, e a parte norte da Friedrichstrasse de Berlim está movimentada com pessoas fazendo compras e trabalhadores no intervalo de almoço.
A via de 3 km extensão que atravessa o distrito governamental de Berlim é conhecida por suas lojas chiques e hotéis e restaurantes de luxo. É também um ímã turístico, que passa pelo famoso posto de fronteira Checkpoint Charlie, da época da Guerra Fria, e outras atrações históricas. Que melhor lugar para priorizar ciclistas e pedestres, pensaram as autoridades de Berlim em agosto de 2020, para depois proibir os automóveis em um pequeno trecho da Friedrichstrasse.
Regine Günther, na época comissária de trânsito de Berlim, baniu os carros de um trecho de 500 metros da avenida comercial, desenhou uma ciclovia no meio da rua e mobilizou a instalação de bancos e vasos com plantas ao longo das calçadas.
O plano inicial era manter o trecho fechado para carros até outubro de 2021 como parte de um "experimento" de tráfego urbano. Quando as autoridades estenderam a proibição por mais um ano para "preservar os aspectos positivos do experimento", no entanto, Anja Schröder, uma lojista de vinhos da avenida, moveu uma ação judicial para que a via fosse reaberta aos carros, e venceu. Ela disse que o fechamento era ruim para as empresas.
O que deu errado?
A reviravolta deixou muitas pessoas atônitas, considerando o estado precário do cumprimento das metas climáticas na Alemanha. O governo federal comprometeu-se a reduzir a emissão de gases de efeito estufa em pelo menos 65% até 2030, comparado aos níveis de 1990. Mas um comitê de especialistas convocado pelo governo advertiu no início do mês que o país corre sério risco de não atingir essa meta.
Exemplos bem sucedidos de zonas comerciais sem carros em outras cidades alemãs e europeias – como a zona para pedestres da Spitalerstrasse em Hamburgo ou a via de compras Rue Sainte-Catherine em Bordeaux – também mostraram que as ruas para pedestres podem beneficiar as empresas locais.
"A experiência mostra que quando as ruas são restritas para pedestres, a receita aumenta", disse Wulf-Holger Arndt, da Universidade Técnica de Berlim, à DW. O urbanista afirmou que Berlim tem sido muito tímida e lenta em reduzir o número de automóveis no centro da cidade, e culpa as autoridades por sua "visão de mundo centrada no carro".
Embora ele tenha celebrado o fechamento parcial e em sua opinião "atrasado" da Friedrichstrasse aos automóveis, ele disse que o projeto foi mal implementado – visão ecoada por muitos que trabalham ou vivem na Friedrichstrasse ou perto dela.
"Cerca de 20 lojas na área fecharam desde que a rua foi fechada aos carros", disse Conrad Rausch, do DIE MITTE, uma organização que representa os moradores e as empresas locais. Ele admite, entretanto, que restrições anteriores relacionadas à pandemia também afetaram negativamente as empresas. Uma relação de causalidade, portanto, é difícil de ser estabelecida.
Benzi, um estudante de 22 anos da Bulgária, está esperando em um semáforo no limite do trecho fechado a carros da Friedrichstrasse. Ele disse que teria preferido que ela continuasse a ser uma zona para pedestres. "Mas acho que foi implementado um pouco sem planejamento", disse. "Não gosto muito do fato de que eles tenham dado a maioria do espaço para os ciclistas. Poderiam ter colocado mais bancos, mais árvores."
Ainda assim, ele apoia a ideia de ruas de compras para pedestres, citando a de sua cidade natal, Plovdiv, como um exemplo positivo.
David Modjarad, 51 anos, está sentado mais adiante no trecho sem carros da Friedrichstrasse tomando um café, perto dos ciclistas que passam, de um centro cultural russo misteriosamente silencioso e pouco convidativo, e de bancos improvisados do lado oposto da via. Modjarad trabalha e vive nas proximidades.
"Este [trecho da Friedrichstrasse] é horrível e estou praticamente ansioso pelo retorno dos carros", disse Modjarad. Ele também afirmou que este espaço urbano deveria ter sido projetado com muito mais atenção aos detalhes, com mais árvores e uma ciclovia diferente.
O fechamento parcial da Friedrichstrasse aos carros foi uma "oportunidade perdida", disse Ragnhild Sorensen, da Changing Cities, à DW. A organização quer redesenhar as cidades alemãs para favorecer pedestres e ciclistas. Ela disse que além de Berlim ter investido muito pouco dinheiro e esforço no projeto, permitir o retorno dos carros é "absurdo à luz da crise climática".
O que Berlim poderia ter feito de diferente?
Uma possível inspiração para Berlim poderia ter sido a Mariahilfer Strasse de Viena. Durante décadas, a popular rua comercial na capital da Áustria convivia com o intenso tráfego de automóveis e engarrafamentos frequentes. Então, em agosto de 2015, a Mariahilfer Strasse foi transformada em uma rua de pedestres. No entanto, ao contrário de Berlim, os comerciantes e moradores locais foram convidados a opinar e votar sobre a medida, e 53,2% dos participantes apoiaram a transformação. Embora nem todos tenham ficado felizes inicialmente com a mudança, com o tempo muitas empresas e moradores locais passaram a simpatizar com a nova situação.
"Tem sido um sucesso de tal forma que lojistas de outras ruas estão agora consultando o conselho municipal de Viena, dizendo que também querem suas ruas fechadas para os carros", disse Arndt, da Universidade Técnica de Berlim.
Nem todos estão interessados nesse tipo de mudança. Edgar Terlinden, porta-voz do escritório de Berlim da ADAC, a maior associação de motoristas da Alemanha, opõe-se a projetos para reduzir o tráfego de carros ao longo da Friedrichstrasse de Berlim ou em qualquer outro lugar da cidade. A estrutura urbana existente em Berlim não deveria ser radicalmente alterada, argumenta ele.
Mas exemplos como a Mariahilfer Strasse de Viena mostram que a mudança urbana pode ser bem sucedida, se devidamente planejada. Este sucesso também depende de como falamos sobre e projetamos tal mudança, disse Sorensen.
"É um grande problema que a mudança urbana seja sempre enquadrada como algo negativo", disse ela. "Precisamos dizer às pessoas como as coisas poderiam ser, desenhando um quadro de como poderia ser – se isso não acontecer, não haverá mudança de mentalidade."