Berlim rebate Ancara após ameaça a parlamentares alemães
7 de junho de 2016O governo da Alemanha rechaçou as recentes críticas de Ancara nesta segunda-feira (06/06), dias depois de o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ter duramente condenado uma decisão do Parlamento alemão a respeito do massacre da minoria armênia em 1915.
Na última quinta-feira, o Bundestag (câmara baixa) aprovou quase por unanimidade uma resolução que classifica como genocídio o assassinato de centenas de milhares de armênios pelo Império Otomano há um século, durante a Primeira Guerra Mundial.
"O Parlamento alemão chegou a uma decisão soberana", declarou nesta segunda-feira o porta-voz da chanceler federal alemã Angela Merkel, Steffen Seibert. "Isso deve ser respeitado", acrescentou.
"Decepcionado"
O pronunciamento do governo veio depois de Erdogan ter declarado, no último sábado, que está decepcionado com a Alemanha e, em especial, com a chanceler. "Primeiro é preciso responder sobre o Holocausto, depois sobre o assassinato de 100 mil pessoas na Namíbia", retrucou.
Em entrevista divulgada por diversos meios de comunicação da Turquia, o chefe de Estado disse não entender como a também presidente da União Democrata Cristã (CDU) não conseguiu fazer com que seu partido votasse contra a resolução.
Erdogan acrescentou que a chefe de governo alemã lhe prometera fazer tudo em seu poder para evitar a aprovação. "Agora eu me pergunto: como é que os políticos alemães de ponta vão poder encarar pessoalmente a mim e ao meu premiê, depois de uma resolução dessas?"
Como Estado sucessor do Império Otomano, a Turquia rejeita incondicionalmente a classificação do massacre como genocídio, alegando que a deportação em massa e as consequentes mortes de armênios não foram intencionais. Historiadores estimam entre 800 mil e 1,5 milhão de mortos.
Além das críticas a Berlim, o presidente também acusou os 11 deputados federais alemães de origem turca que votaram a favor da resolução de apoiarem o "terrorismo" do banido Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK), considerado uma organização terrorista tanto na Alemanha quanto na Turquia. Erdogan exigiu "exames de sangue" para ver "que tipo de turcos" eles são.
O prefeito de Ancara, Ibrahim Melih Gökcek, publicou na rede social Twitter uma montagem com fotos dos 11 deputados, contendo a mensagem "Os traidores devem perder sua cidadania", alegando que eles "apunhalaram a Turquia pelas costas".
Em resposta a essas declarações, o porta-voz de Merkel disse nesta segunda-feira que, apesar de Berlim também considerar o PKK um grupo terrorista, "associar membros individuais do Parlamento com terrorismo é absolutamente incompreensível para nós".
Ameaças de morte
Entre os 11 deputados de origem turca está Cem Özedemir, do Partido Verde, que também promoveu o voto a favor da resolução. O político foi colocado sob proteção policial depois de receber ameaças de morte de anônimos. O alemão de 50 anos é filho de migrantes turcos.
Nesta segunda-feira, Özedemir afirmou que não se deixará intimidar pelos ataques verbais do presidente turco. "Os votos no Bundestag alemão não são feitos levando-se em conta o contentamento de líderes autoritários", declarou o político.
Özcan Mutlu, outro deputado do Partido Verde de origem turca, contou ao programa de televisão Tagesschau nesta segunda-feira que tem recebido "centenas ou até milhares de e-mails com mensagens de ódio e ameaças de morte". "Como deputado, insultos já se tornaram algo normal, mas as coisas estão chegando a outro nível agora", afirmou ele.
Mutlu, que também aparece na montagem de fotos publicada pelo prefeito de Ancara, fez um apelo a Merkel para que tome uma atitude contra Erdogan e "deixe claro que isso já foi longe demais".
A encarregada de Migração, Refugiados e Integração do governo alemão, Aydan Özoguz, outra deputada de ascendência turca, condenou as ameaças nesta segunda-feira. "As ameaças de morte contra nós são absolutamente inaceitáveis e me chocam profundamente", afirmou. "Espero que o Parlamento mostre sua solidariedade e não nos deixe aqui sozinhos."
Provavelmente em resposta aos pedidos de apoio, o presidente do Bundestag, Norbert Lammert, declarou que gostaria de "reiterar a solidariedade da câmara baixa do Parlamento com os colegas ameaçados".
O caso promete arranhar ainda mais as relações diplomáticas entre os dois países, desgastadas no último ano devido à crise migratória.
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