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Biden cancela polêmico oleoduto que atravessaria os EUA

Kristie Pladson
21 de janeiro de 2021

Obras do Keystone XL são encerradas por decreto por Biden, poucas horas após a posse. Oleoduto levaria petróleo do Canadá até o Texas, cruzando os Estados Unidos de norte a sul.

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Protesto em 2017 no Nebraska contra a construção do oleoduto Keystone XL
Protesto em 2017 no Nebraska contra a construção do oleodutoFoto: Nati Harnik/AP/picture alliance

Apenas poucas horas após tomar posse, o 46º presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, assinou nesta quarta-feira (20/01) uma série de decretos, entre eles a revogação da licença para o controverso oleoduto Keystone XL.

Suspenso pelo governo Barack Obama, mas liberado por Donald Trump, o Keystone XL seria construído entre Alberta, no Canadá, e as refinarias do estado americano de Nebraska. Ali, ele se conectaria à  rede já existente de oleodutos nos EUA, chegando às refinarias do sul do Texas, quase na fronteira com o México.

Símbolo da queda de braço entre ambientalistas e a política nos EUA, o projeto, estimado em 8 bilhões de dólares, data de 2008 e permitiria que 830 mil  barris de petróleo fossem transportados diariamente.

Além de cancelar o projeto, o decreto baixado por Biden proíbe o desenvolvimento de petróleo e gás em reservas nacionais de vida selvagem.

Oleoduto teria 1,8 mil quilômetros

O segmento completo do gasoduto deveria cobrir uma rota de 1,8 mil quilômetros e sua produção cobriria a demanda americana hoje atendida por países latino-americanos. O oleoduto é propriedade da empresa de energia TC Energy e do governo de Alberta.

Aprovado pelos reguladores canadenses em 2010, o projeto foi bloqueado pelo então presidente, Barack Obama, em 2015. Ele alegou que os benefícios do oleoduto teriam favorecido demais o Canadá e produzia emissões adicionais de gases causadores do efeito estufa.

Sucessor de Obama, o presidente Trump mais tarde reverteu a decisão, através de decreto presidencial em 2017. O início das operações estava previsto para 2023.

Os argumentos contra o projeto

Ambientalistas, grupos indígenas e produtores rurais sempre foram vozes críticas ao projeto. Eles temiam o risco de derramamento de petróleo e alegavam que o oleoduto seria um uso abusivo de suas terras.

Um dos trechos do oleoduto Keystone no Canadá
Um dos trechos do oleoduto Keystone no CanadáFoto: picture-alliance/AP Photo/N. Harnik

Em 2018, um juiz federal bloqueou temporariamente a construção. Ele disse que o governo americano não havia avaliado adequadamente o impacto ambiental. Outras ações judiciais paralisaram repetidamente o progresso, dando ao Keystone XL o apelido de "oleoduto zumbi".

Os críticos também acusaram o projeto de não proteger adequadamente os trabalhadores do oleoduto contra o coronavírus. Tribos indígenas e outras comunidades rurais localizadas ao longo da rota temiam que os trabalhadores trouxessem o vírus.

O petróleo seira extraído das areias betuminosas de Alberta, também conhecidas como areias petrolíferas, uma mistura de areia, argila, água e uma substância espessa chamada betume. Este processo de extração é mais caro e requer mais energia do que outras fontes de petróleo.

"Essas areias não são compatíveis com um futuro que lide com a mudança climática de forma significativa", afirma Charlie Kronick, um ativista do Greenpeace do Reino Unido e analista da indústria petrolífera.

Por que Biden cancelou o Keystone?

Biden afirma que é contra "o Keystone desde o início". "São areias de alcatrão que não precisamos e que na verdade é um poluente muito, muito alto", afirmou em maio passado à imprensa americana.

A luta contra a mudança climática será um dos principais pilares do governo Biden. "Um grito por sobrevivência vem do próprio planeta", afirmou o presidente em seu discurso de posse. "Um grito que não pode ser mais desesperado ou mais claro agora.'.

"Uma vez superada a pandemia, o clima estará no topo da agenda prioritária do novo governo", diz Adam Zurofsky, diretor executivo da Rewiring American, uma ONG dedicada a combater as mudanças climáticas através da eletrificação da economia dos EUA.

Segundo Zurofsky, particularmente empolgante para quem trabalha nesta área é a intenção do novo presidente de adotar "uma abordagem governamental completa" para enfrentar a mudança climática. "Isso significa pensar sobre como o governo federal pode usar todas as ferramentas à sua disposição [...] para tentar fazer avançar a posição dos EUA e os esforços para combater as mudanças climáticas".

Como o Canadá reagiu?

O cancelamento do gasoduto provavelmente causará tensão com o Canadá. O país tem a terceira maior reserva de petróleo do mundo e na commodity seu principal produto de exportação.

"Para os canadenses, estamos falando de 100 bilhões de dólares em exportações anuais do oleoduto”, disse na segunda-feira o governador de Alberta, Jason Kenney, respondendo aos rumores de que Biden acabaria com o projeto. "Portanto, este é um assunto que toca os interesses econômicos vitais do Canadá".

Segundo ele, abandonar o projeto destruiria empregos em ambos os países e tornaria os EUA mais dependentes das importações de petróleo da Opep.

O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, havia conversado com Biden e outras autoridades americanas para defender o oleoduto nos últimos dias e semanas. Aparentemente sem sucesso.

"Isso torna as coisas um pouco mais desconfortáveis para Trudeau num contexto doméstico", afirma Ryan Katz-Rosene, professor de política na Universidade de Ottawa, à agência de notícias AFP.

Embora Trudeau tenha se caracterizado como uma voz importante do ativismo climático e esteja amplamente alinhado com Biden politicamente, ele também prometeu supervisionar a conclusão de vários oleodutos destinados a levar o petróleo canadense a novos mercados.

Vários políticos canadenses criticaram a iniciativa de paralisar o projeto, sob o argumento de que os EUA estariam melhor recebendo petróleo de seu vizinho ecologicamente consciente do que de países como a Arábia Saudita e a Rússia.

Zurofsky chama esta linha de argumentação de "uma falsa escolha". "Essa argumentação parte da premissa de que o petróleo vai, de qualquer forma, ter que sair do chão", diz ele. "E o argumento do lado climático é que deveríamos estar fazendo tudo o que pudéssemos para tornar isso mais difícil, tornar isso mais caro, tornar isso menos provável, porque esse petróleo saindo do solo é prejudicial ao nosso meio ambiente."

O que acontece agora?

Em comunicado antecipando o decreto de Biden, a TC Energy disse que está "desapontada" com a decisão e que a construção seria interrompida enquanto a empresa avalia em como proceder.

O estado de Alberta chegou a dizer que consideraria a venda de tubos e materiais do projeto para sucata, a fim de recuperar algumas das perdas financeiras. O estado canadense investiu mais de 1 bilhão de dólares do dinheiro dos contribuintes no projeto.

Ken Alex, do Centro de Direito, Energia e Meio Ambiente da Universidade da Califórnia, Berkeley, afirma que uma batalha jurídica foi aberta depois que Obama cancelou a licença pela primeira vez, e há uma série de teorias legais em torno do fato de já ter sido emitida uma licença para obra.

"Mas a questão é, para os proponentes do oleoduto, dado o tempo e o custo envolvidos no litígio, e à luz da necessidade de reduzir a demanda por petróleo e gás, o que acontecerá com o mercado ao longo desse tempo. Será que o investimento ainda vale a pena"?, questiona.