Biden na Arábia Saudita: parceria útil com ressalvas
14 de julho de 2022Com a decisão de também fazer uma parada na Arábia Saudita, no contexto de seu giro pelo Oriente Médio, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, causou considerável descontentamento em casa, ao ponto de precisar se justificar no jornal The Washington Post.
Ele se disse ciente de que muitos não estão de acordo com sua decisão, mas se esforçará para fortalecer a "parceria estratégica" com Riad e, ao mesmo tempo, "manter-se fiel aos valores fundamentais americanos". Sua posição em respeito à defesa dos direitos humanos é clara, e "também nessa viagem".
De fato, não faz muito tempo que o político democrata utilizava uma linguagem bastante incisiva em relação ao reino árabe. Depois do assassinato do jornalista saudita Jamal Khashoggi, em outubro de 2018, na época ainda candidato à presidência, Biden atacou a cúpula estatal saudita.
"Vamos fazê-los pagar e transformá-los nos párias que são", afirmou em 2019. Depois de eleito, seu governo divulgou um relatório do serviço secreto segundo o qual o príncipe herdeiro Mohammed bin Salman teria autorizado o assassinato de Khashoggi em Istambul.
Perante um quadro político mundial radicalmente alterado, é pouco provável que Biden faça declarações do gênero durante a visita a Riad, assegura Eckart Woertz, diretor do Instituto Giga de estudos sobre o Oriente Médio. "É claro que no tocante aos direitos humanos continuará havendo palavras da boca para fora. Mas certamente serão formuladas de forma diferente do que algum tempo atrás."
Possivelmente se percebe uma atitude modificada também em relação a outro pomo de discórdia nas relações americano-sauditas: a guerra no Iêmen. Segundo a agência de notícia Reuters, discute-se no governo americano uma suspensão das exportações de armas de ataque para a Arábia Saudita.
Em fevereiro de 2021, Biden anunciou o fim do apoio de seu país a ações ofensivas. A decisão definitiva deve agora depender dos progressos que Riad faça no sentido de um fim da guerra no Iêmen, afirmou a Reuters, com base em fontes internas.
Aproximação com Israel e petróleo
Diversos fatores contribuem para o novo posicionamento de Biden. Ele tenta obter uma maior aproximação da Arábia Saudita a Israel. Considera-se improvável que o reino siga o exemplo de outras nações da região, assinando os assim chamados "acordos Abraão" para promover uma ampla normalização com o Estado judaico.
Contudo uma cooperação nos bastidores é "perfeitamente cogitável", acredita Woertz. E, ao que tudo indica, há muito ela já vem ocorrendo: uma reportagem do Wall Street Journal menciona conversações secretas sobre um aprofundamento da cooperação binacional em questões econômicas e de segurança, por exemplo com a liberação do espaço aéreo saudita para aeronaves comerciais israelenses. E já se especula até sobre a criação de uma espécie de Otan do Oriente Médio.
Acima de tudo, porém, a visita do líder democrata transcorre no contexto de uma transformação total do quadro político mundial, desencadeada pelo ataque militar da Rússia contra a Ucrânia. E cada vez mais essa guerra se transforma num desafio econômico, também para os Estados Unidos, desde que o temor de uma escassez de petróleo devido às sanções contra Moscou elevou extremamente seus preços.
Em novembro realizam-se as eleições para o Congresso americano, e o combustível é igualmente tema de campanha para Biden, explica o especialista Woertz, segundo quem "os preços elevados do petróleo são um presente para a oposição". Também por isso o presidente "tem interesse em que a Arábia Saudita intensifique suas extrações".
Contudo, mesmo que queira, a nação árabe só poderá atender em escala limitada aos desejos do americano. Durante a época dos preços baixos do combustível, ela teve grandes prejuízos, portanto "o aumento dos preços é uma necessidade econômica, do ponto de vista do reino", afirma Woertz.
Caso haja uma redução da produção russa, devido às sanções, os sauditas poderiam perfeitamente entrar em ação, aumentando sua extração, "mas essa é apenas uma perspectiva de médio prazo".
Rússia e novo jogo de forças no Oriente Médio
Em sua visita, Biden terá principalmente que levar em consideração as novas relações de força na região como um todo. Desde que os EUA se retiraram quase inteiramente do Iraque, além de reduzir seu engajamento na Síria, seu peso político-militar no Oriente Médio decaiu.
As consequências se fizeram sentir em março, quando Washington submeteu ao Conselho de Segurança das Nações Unidas uma resolução condenando a invasão russa da Ucrânia. Para surpresa generalizada, os Emirados Árabes Unidos, membro não permanente, negaram apoio à moção, abstendo-se.
Há um bom tempo a Rússia procura preencher o vácuo deixado pelos americanos na região, e com êxito crescente. Isso se manifesta sobretudo na Síria, onde, juntamente com o Iraque, os russos têm combatido com eficácia a oposição ao regime de Bashar al Assad. Outro aspecto desse avanço de Moscou são as cooperações técnicas, como ao apoiar a Arábia Saudita no desenvolvimento de um programa nuclear próprio.
Não obstante, os EUA são a principal potência protetora de Riad, em especial no tocante a seu rival mais poderoso na região, o Irã. O reino é igualmente o maior comprador de armas americanas. Ao longo de décadas, os governos dos EUA anteriores fomentaram essas exportações, portanto a suspensão imposta por Biden deve ter no mínimo arrefecido a confiança dos sauditas.
"Ao mesmo tempo, os sauditas naturalmente viram que os EUA reagiram com muita parcimônia aos ataques iranianos a sua infraestrutura petrolífera", acrescenta Woertz. "É certo que a China ou a Rússia não são substitutos plenos para a parceria de segurança com os EUA. Contudo a Arábia Saudita tenta francamente diversificar seu portfólio" e portanto vem travando negociações também com essas duas outras potências.
Putin benquisto entre autocratas
Um outro fator compromete a cooperação dos EUA com os regimes do Oriente Médio: sua autoimagem como potência mundial engajada pela democracia. Isso já se manifestou durante as revoluções árabes de 2011, quando, perante os levantes populares, os americanos voltaram as costas para antigos aliados como o autocrata egípcio Hosni Mubarak.
A Rússia, por sua vez, manteve-se do lado de seus parceiros, sobretudo do ditador sírio Bashar al Assad, que só pôde se manter no poder graças à assistência russa. Os dirigentes autocráticos em Riad e outras capitais certamente terão observado atentamente tais "questões de lealdade" e tirado suas conclusões.
Por último, o presidente russo, Vladimir Putin, fascina na região justamente por uma característica que antes provoca repulsa por parte da opinião pública do Ocidente: seu estilo autocrático.
"São principalmente dois aspectos do regime que, junto com uma postura fortemente antiocidental, entusiasmam o público árabe: a personalização do poder e um forte rechaço do liberalismo político e social", analisa o jurista Naseef Naeem, num ensaio para a revista alemã Zenith, especializada no Oriente Médio.
Portanto o estilo de governar do chefe do Kremlin coincide perfeitamente com a própria noção de liderança dos árabes. É muito plausível que os regentes sauditas compartilhem essa admiração.