Mistério dos marcos
10 de janeiro de 2010Oito anos depois de notas e moedas de euro entrarem em circulação na Alemanha, um estoque de 13,6 bilhões de marcos alemães ainda está para ser trocado pela moeda europeia. Isso é o equivalente a quase 7 bilhões de euros ou cerca de 175 euros por cada lar alemão.
Muitos alemães mais idosos têm um carinho especial pela moeda forte que lhes trouxe riqueza e prosperidade depois da guerra. "Há muitas pessoas da antiga Alemanha Ocidental que ainda nutrem um sentimento nostálgico em relação ao marco alemão. Algumas pessoas têm até mesmo notas de grande valor emolduradas nas paredes de casa", diz o psicólogo especializado em economia Alfred Gebert, da Universidade de Münster. Mas ele também acredita que há uma série de outras explicações menos nobres para o fenômeno, como esquecimento, letargia e até mesmo medo de complicações burocráticas.
Guido Kiell, psicólogo de finanças da empresa especializada em pesquisa de mercado Grass Roots, descarta o afeto pelo dinheiro como causa do fenômeno. "Não acho que tem alguma coisa a ver com o amor ao marco alemão. O custo psicológico de trocar esse dinheiro é maior do que a real vantagem que eles vão tirar dela", explica. "É como no caso de restituição de impostos e taxas. Demora apenas meia hora para preencher os formulários, e os benefícios serão muito superiores que o custo do tempo gasto, mas mesmo assim, você acaba relutando em providenciar os papéis", compara Kiell.
Falta de motivação
Essa relutância em fazer hoje o que a pessoa pode fazer amanhã parece ter sido incentivada pela determinação do Banco Central alemão de não fixar um prazo para que os cidadãos esvaziem seus cofrinhos ou troquem o dinheiro antigo guardado sob o colchão.
"Diferentemente da maioria dos outros bancos centrais, da zona do euro não há limite de tempo para trocar marcos alemães por euros", lembra Adelheid Sailer-Schuster, chefe do escritório de Hamburgo do Deutsche Bundesbank, o banco central da Alemanha, em entrevista ao jornal Hamburger Abendblatt.
"Não há necessidade de pressa. A troca pode ser feita em 50 ou em 100 anos", acrescenta a economista. E, em muitos aspectos, é exatamente esse o problema. No ano passado, cerca de 158,5 milhões de marcos foram trocados por euros. Parece uma soma enorme, mas é realmente apenas uma gota no oceano, em termos relativos.
Outra barreira subjetiva é a impossibilidade de se realizar a operação de câmbio em um banco regular. É necessário ir uma das 53 filiais do Bundesbank. "Isso também é um fator psicológico. Mesmo que, na prática, você tenha que viajar apenas duas estações de metrô a mais", diz Kiell. "Porque você tem a certeza que ainda pode fazer a troca nos próximos 10 anos", completa.
O psicólogo Alfred Gebert acredita que alguns alemães também temem a burocracia em que podem se envolver ao recorrerem a uma instituição estatal. "Muitas pessoas pensam que será um processo muito mais demorado do que realmente é", acredita.
Amnésia financeira
Grande parte dos marcos desaparecidos pode ter sido simplesmente esquecida. Gebert admite que ele mesmo tem em suas estantes algumas notas antigas, enfiadas em livros, como marcadores improvisados de leituras passadas.
Outros podem ter razões fiscais para "esquecer" o seu dinheiro por um tempo. "Alguns comerciantes esconderam o dinheiro que não declararam, e mais tarde os seus filhos podem ter vendido as lojas sem saber o que estava escondido lá dentro", especula Gebert.
Ainda permanece um mistério quanto tempo deve levar para que todas as notas antigas apareçam efetivamente. No ritmo atual, poderá levar cerca de 70 anos até que todas elas sejam convertidas. Cerca de 30% por cento das notas e moedas possivelmente estão no exterior, bem longe da filial mais próxima do Bundesbank.
Segundo os especialistas, o melhor conselho é mesmo desenterrar o dinheiro e trocá-lo o quanto antes, já que tudo indica que o valor dos marcos alemães deve diminuir nos próximos anos. "Pode haver ainda algumas pessoas que pensam que o marco é um investimento mais seguro ou que será reintroduzido. Porém essa mentalidade tem algo de altamente patológico", avalia Guido Kiell.
Autor: Julie Gregson (md)
Revisão: Augusto Valente