Bolsonaro e Amazônia: crise anunciada
29 de agosto de 2019Mais cedo ou mais tarde a coisa iria estourar, todo mundo sabia. E eis que chegou a hora. A Floresta Amazônica está queimando, e Jair Messias Bolsonaro é alçado à condição de vilão ecológico global. O país vizinho, a Bolívia de Evo Morales, também está queimando. Mas ele apaga, ao invés de ficar disparando declarações insolentes e culpando primeiramente as ONGs e depois os indígenas pelo incêndio. Embora todos saibam que são os fazendeiros, que gostam de Bolsonaro, que queimam a floresta para abrir novas pastagens.
O mundo tem medo da mudança climática e não consegue entender como é possível queimar uma preciosa floresta para deixar que um boi por hectare paste no lugar durante dois anos. Antes que o solo se torne então inutilizável e uma nova porção de floresta tenha que ser derrubada. Claro, a Europa gosta de grelhar carne brasileira e alimentar seu rebanho com soja da Amazônia. Mas sua produção deve ser sustentável, caso contrário, a Europa perderá sua credibilidade.
Credibilidade, aliás, é coisa que Bolsonaro sequer tem no exterior. Lá, todo mundo sabe que, em 28 anos como deputado, o que ele fez foi principalmente insultar seus adversários políticos. Ele continua fazendo isso agora, e a última que sentiu isso na pele foi a senhora Brigitte Macron. O mundo sabe que Bolsonaro não tem bons modos e que ele até se orgulha disso. Mau comportamento faz parte de seu programa, e com isso ele ganhou todas as eleições a que se candidatou. Isso também não deixa de ser uma proeza.
Falta de bons modos como estilo político pode fazer sucesso, e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, pode em breve até conseguir fechar relativamente bons acordos com China, Coreia do Norte e Irã. Mas Trump, como o homem mais poderoso do país mais poderoso, pode se dar ao luxo de ser um grosso. Mas Bolsonaro? É provável que os europeus descontem nele, o "Trump tropical", sua frustração com o verdadeiro Donald Trump. Este, eles não conseguem pegar, por isso agora pegam a cópia.
E, nesse caso, Emmanuel Macron parece estar fazendo o papel do policial durão, que ataca severamente Bolsonaro. Angela Merkel é a policial boazinha, que tenta trazer Bolsonaro de volta ao barco da parceria civilizada através de conversa e contratos. Mas isso só vai funcionar se o setor agrícola do Brasil, por medo de boicote, colocar pressão suficiente em Bolsonaro. Mas será que ele é sensível a pressão – seja do exterior ou do interior?
Muitos também acreditavam que os superministros Sergio Moro e Paulo Guedes domariam Bolsonaro. O que ocorre é diferente, ambos aguentam de boca fechada os ataques do chefe. Guedes, por acaso, sai do governo quando Bolsonaro matar o acordo UE-Mercosul com suas falas mal-humoradas? E será que Moro sai se Bolsonaro continuar interferindo em suas competências?
Quem ou o que pode fazer com que Bolsonaro busque soluções políticas racionais? Como é possível levá-lo a um consenso construtivo? As ameaças de Macron sobre uma internacionalização da Amazônia são apenas água nos moinhos da paranoia brasileira de que outros países estariam querendo roubar a Amazônia. Por outro lado, não dá para deixar que paranoicos simplesmente façam tudo o que dá na telha, todo enfermeiro sabe disso.
De qualquer forma, interessantes são os reflexos nacionalistas, com afirmações de que não se pode deixar que outros se intrometam em assuntos internos brasileiros como a Amazônia. Não muito tempo atrás, Bolsonaro xingou os esquerdistas na Argentina que sequer foram eleitos. Ele e seu filho Eduardo, que xingou Macron de idiota e está prestes a se mudar para os Trumps como uma espécie de "embaixador au pair", também gostam de fazer campanha gratuita para "Trump 2020". E para o Benjamin Netanyahu, de Israel.
Também na crise de Estado venezuelana, os Bolsonaros já se intrometeram, sussurrando sobre opções militares a partir de solo brasileiro. Eduardo até falou em processar o regime de Nicolás Maduro no Brasil. Isso só para tocar no tema da interferência nos assuntos de outros países. Mas pimenta nos olhos dos outros não arde, como se sabe.
Bolsonaro conseguiu em sete meses estragar o soft power que o Brasil tinha na política ambiental global. Por quê? Porque ele pode.
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Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.