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Bolsonaro parabeniza policiais por massacre do Jacarezinho

10 de maio de 2021

Operação mais letal da história recente do Rio matou 28 pessoas, em meio a denúncias de abuso policial. Presidente chama mortos de "traficantes que roubam e matam", mas OAB diz que nem todos tinham passagem pela polícia.

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O presidente Jair Bolsonaro
Esta foi a primeira manifestação pública direta do presidente sobre a operação no Jacarezinho, na quinta-feira passadaFoto: Andre Borges/NurPhoto/picture alliance

O presidente Jair Bolsonaro parabenizou a Polícia Civil do Rio de Janeiro pela operação que deixou pelo menos 28 mortos na comunidade do Jacarezinho, na zona norte carioca, na semana passada. Foi a primeira manifestação pública direta do presidente sobre o caso.

A ação policial – a mais letal da história do Rio no período democrático – foi criticada por organizações de direitos humanos, que a chamaram de "massacre" e pediram ao Ministério Público que ela seja apurada. Moradores denunciaram abusos e relataram invasões de casas e execuções.

Em publicação em rede social neste domingo (09/05), Bolsonaro também chamou os mortos de "traficantes que roubam, matam e destroem famílias", sem apresentar provas.

"Ao tratar como vítimas traficantes que roubam, matam e destroem famílias, a mídia e a esquerda os iguala ao cidadão comum, honesto, que respeita as leis e o próximo. É uma grave ofensa ao povo que há muito é refém da criminalidade. Parabéns à Polícia Civil do Rio de Janeiro!", escreveu.

"Isso é rotina", diz líder comunitário do Jacarezinho

O presidente ainda lamentou a morte do policial André Leonardo de Mello Frias durante a ação.

"Nossas homenagens ao Policial Civil André Leonardo, que perdeu sua vida em combate contra os criminosos. Será lembrado pela sua coragem, assim como todos os guerreiros que arriscam a própria vida na missão diária de proteger a população de bem. Que Deus conforte os familiares."

A ação da Polícia Civil ocorreu na última quinta-feira, após denúncia sobre um suposto aliciamento de menores e sequestro de trens ferroviários da empresa SuperVia pelo Comando Vermelho, a maior facção do tráfico de drogas no estado.

Assim como Bolsonaro, a polícia classificou os mortos como "criminosos", embora a afirmação vá de encontro com dados divulgados pela imprensa e a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio.

De um total de 21 mandados de prisão, apenas três foram cumpridos durante a operação, e outros três dos alvos foram mortos pela polícia.

Imagens de TV mostraram um helicóptero sobrevoando a comunidade e policiais armados com fuzis saltando de telhado em telhado. Foram cerca de nove horas de terror para quem vive na favela, com o fechamento de escolas e centros de vacinação. A ação também deixou feridos, inclusive dentro de uma estação de metrô.

Abusos e remoção de corpos sem perícia

Moradores denunciaram a execução de suspeitos durante a operação. Defensores públicos afirmaram que relatos e imagens capturadas por moradores e jornalistas indicam que houve execuções sem que fosse dada a chance de os suspeitos se renderem.

"A gente está recebendo muitas imagens, muitos áudios que dizem que houve invasão de casas, houve destruição de patrimônio. Há suspeita de execuções extrajudiciais, ou seja, as pessoas foram mortas sem chance de defesa, já dominadas", afirmou Jurema Werneck, diretora-executiva da Anistia Internacional Brasil, à TV Globo na semana passada.

Segundo o portal G1, registros de ocorrência mostram que, dos 27 mortos considerados suspeitos pela polícia, 24 tiveram seus corpos removidos sem perícia no local.

Em depoimento no fim de semana, quatro dos seis suspeitos presos durante a operação afirmaram que foram obrigados a carregar corpos dos mortos para dentro de blindados da Polícia Civil. Segundo os detidos, eles só foram presos e escaparam de morrer porque estavam perto de familiares.

A Polícia Civil, por sua vez, defendeu que é possível fazer a perícia no local sem a presença dos corpos, e afirmou que as circunstâncias sobre a remoção dos corpos serão apuradas em investigação policial.

Um terço sem processos criminais

A Polícia Civil divulgou no fim de semana os nomes dos mortos na ação e afirmou que, entre os 27 suspeitos, 25 tinham antecedentes criminais. Contra os outros dois, havia provas de que também eram ligados ao tráfico, disse a corporação, sem dar detalhes das fichas criminais de nenhum deles.

Por sua vez, um levantamento feito pelo jornal Estadão apontou que um terço dos mortos não era alvo de processos criminais junto ao Tribunal de Justiça do Rio. Ou seja, nenhuma ação penal foi encontrada em nome de nove dos 27 mortos.

O veículo afirma, porém, que não teve acesso a inquéritos policiais, então não foi possível verificar se esses nove homens sem processos criminais eram investigados por algum crime.

Entre os 18 mortos alvos de ações penais, a maioria foi acusada de ser traficante e/ou ladrão. O jornal encontrou ao menos 22 acusações de crimes ligados ao tráfico de drogas e 14 a roubo, além de alguns casos de furto e um de estelionato. Em alguns casos, a mesma pessoa responde por mais de um delito, por isso o número de acusações é maior que o de réus. Segundo o Estadão, alguns dos processos constam como arquivados, temporária ou definitivamente.

Do total de 27 mortos, apenas três eram alvos de mandados de prisão durante a operação policial.

Em entrevista à TV Globo, o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, Álvaro Quintão, questionou as informações apresentadas pela polícia.

"Já dá para dizer que nem todos são bandidos. Isso com certeza. Nós já identificamos pessoas que nunca tiveram nenhuma passagem pela polícia. E existem, sim, algumas pessoas que já têm passagem, algumas cumpriram penas, já não têm mais pena, já não estão mais cumprindo nenhuma pena", disse o advogado.

"Nesta segunda-feira, vamos começar com atendimento junto com a Defensoria Pública a todos os familiares, e aí é possível que comecemos a ter um número preciso de quem eventualmente teve algum problema de passagem pela polícia ou não. É fundamental que se tenha transparência."

ek/lf (ots)