Bossa-nova, bateria eletrônica e caipirinha
5 de maio de 2003O subtítulo da compilação é inequívoco: "latin flavoured club tunes", música para dançar, com sabor latino. Inequivocamente vago: estamos em pleno campo dos "sítios auriculares" – a exemplo da Espanha e China dos impressionistas franceses. Não se trata do Brasil e sua música como eles sejam, mas sim como você deseja – ou consegue – vê-los.
Os sons são mornos, oscilando entre house e bossa-nova, salsa, samba-canção, bolero – difícil precisar – aplainados pela bateria eletrônica. A locação "latina" poderia ser Salvador ou o Caribe, à beira-mar, claro, tudo bem regado a caipirinha (mojito?), com um quê de sensualidade, pele nua, cor morena e negritude. Os fragmentos cantados em português, espanhol ou inglês passariam por citações literais de um bate-papo de praia típico, entre nativos e gringos. Com direito às falhas de comunicação e falsos cognatos e de praxe.
Uma fórmula e mil compilações
Arndt Kielstroepp e Jens-Uwe Welge fundaram o selo "audiopharm" em 1999. Sua especialidade, compilações de música tranqüila, chill mood, com um toque étnico. Seus títulos: Afrotronic, Asia lounge. E Brazilectro, cuja primeira "sessão" foi lançada em julho de 2000. Uma compliation que encontrou admiradores e seguidores, praticamente lançando um estilo autônomo de club music.
Vindo do hip-hop, jungle e drum & bass, Kielstroepp declara-se fã da música brasileira, e há anos vinha acompanhando a influência do samba e bossa-nova sobre a música programada da Europa, Estados Unidos e Japão. Daí a idéia para mais esse crossover, que conquistou um público normalmente pouco interessado nos ritmos tupiniquins. E com ele, um faturamento respeitável.
Nesse ínterim, os dois músicos mudaram para o selo "Ministry of Sound", perdendo os direitos sobre a marca Brazilectro. O que não chegou a ser grave: nasceu Brazilution, agora já na "edição 5", que já vendeu centenas de milhares de cópias, e desde o início do ano atravessa a Alemanha em turnê. Seu alvo são pequenos dance clubs: além de Kielstroepp mixando ao vivo, as apresentações incluem por vezes dançarinos e percussionistas brasileiros, ou a cantora Janice Andrade.
Exotismo bem filtrado
De onde vem toda essa fertilidade musical? Quem são Jazzanova, Zuco 103, The Boys from Brazil? Kielstroepp explica seus critérios de seleção: "Tem que haver uma elaboração séria do conteúdo musical. Não basta superpor um drum-loop de samba a uma batida house durante quatro minutos e meio. Deve-se poder sentir a energia da música original, a dinâmica do samba, a melancolia da bossa-nova. Os melhores resultados são quando artistas brasileiros e 'eletrônicos' cooperam, e nasce algo completamente autônomo."
O DJ não considera problemático o fato de, a rigor, tratar-se de música "sintética" – que não é realmente "made in Brazil", nem um dia chegará a ser ouvida por lá. Ele chama a atenção para a participação freqüente de músicos brasileiros em faixas exclusivas. E lembra que existe toda uma cena musical européia que se dedica com seriedade a estilos diversos como jazz, down beat, deep house e música tradicional.
O DJ admite os clichês culturais em jogo, como as capas dos CDs, povoadas de coqueiros, mulatas e pães-de-açúcar. Contudo assegura que sua meta não é cultivar clichês ou explorar o exótico: "O importante é apresentar ao público uma música que agrade, sem ser barata, e que tem toda uma carga positiva".
Até hoje, Arndt Kielstroepp não conhece a terra que lhe traz tanto sucesso e lucro. Mas pretende tirar o atraso no próximo ano. Até lá, continuará ostentando com bom humor o apelido "Karl May dos Brazil-samplers", que lhe pôs a imprensa. Bem, não deixa de ser justo o paralelo com o escritor e ladrão contumaz, que conseguiu criar Winnetou, Old Shatterhand e outros ícones do faroeste praticamente sem pôr os pés fora da Saxônia.