Brasil e Alemanha na vanguarda da Universidade do Trabalho
14 de fevereiro de 2006Com o objetivo de treinar sindicalistas para os desafios impostos pela economia mundial, foi instituído na Universidade de Kassel o programa Políticas do Trabalho e Globalização. Desde 2004, cerca de 15 profissionais ligados ao movimento trabalhista de todo o mundo passam um ano na Alemanha para aprender mais sobre negociações de comércio internacional, o papel das grandes instituições financeiras mundiais e as várias faces do sindicalismo em todo o mundo.
O programa, que está em seu segundo ano, é apoiado pela OIT e inclui um período de estudo na Escola de Economia de Berlim, tem no Brasil um parceiro crucial: a Central Única dos Trabalhadores (CUT). Três sindicalistas ligados à CUT se formaram na primeira turma do mestrado em Políticas do Trabalho e Globalização.
No segundo ano, a central enviou mais uma representante – assim, o Brasil é o país com o maior número de alunos formados em um grupo heterogêneo que inclui profissionais da China, África do Sul, Nigéria, Filipinas, Turquia, África do Sul, Malásia, Austrália, Canadá e Moldávia, entre muitos outros.
Além do trabalho em sala de aula, os participantes visitam grandes empresas e sindicatos. Para a conclusão do curso, é obrigatória a realização de um estágio de seis semanas em uma organização internacional ligada ao movimento sindical.
Perto da maturidade
O projeto da OIT, que tem financiamento do governo alemão e prevê contrapartida de centrais sindicais de todo o mundo, vai atingir este ano sua maturidade. O mestrado em Políticas do Trabalho e Globalização é, na verdade, o primeiro passo para a construção de uma ambiciosa rede de treinamento chamada Universidade Mundial do Trabalho.
Em alguns anos, de acordo com o decano de Ciências Sociais da Universidade de Kassel, Christoph Scherrer, o objetivo é que seja possível promover o intercâmbio de sindicalistas interessados em estudar na Europa, África, América Latina e Ásia.
O primeiro passo para a construção da Universidade Mundial do Trabalho, informa Scherrer, será dado pela Universidade de Campinas (Unicamp), em São Paulo, ainda este ano. No segundo semestre, o mestrado em Políticas do Trabalho e Globalização será oferecido no Brasil.
"O projeto de Campinas inclui aulas em português no início e é mais direcionado para o público nacional. Entretanto, a idéia é que no futuro o curso seja oferecido em inglês (como corre na Alemanha). Assim, as possibilidades de intercâmbio se multiplicam."
Em 2007, o projeto se estende para outro país em desenvolvimento: a África do Sul. Nos próximos anos, outro membro do grupo BRICS (sigla para Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) deverá ser o responsável por estender o programa para a Ásia. "Provavelmente o mestrado será oferecido na Índia", afirma o decano da Universidade de Kassel.
Além de serem parceiros importantes do projeto da Universidade do Trabalho, África do Sul e Índia têm a vantagem de ter o inglês como língua oficial – assim, as barreiras idiomáticas para o oferecimento do curso a estudantes de todo o mundo são eliminadas.
Custos da expansão
O projeto da Universidade do Trabalho não é barato. Somente a expansão do mestrado para Brasil e África do Sul custará 1,5 milhão de euros (cerca de R$ 4 milhões) nos próximos três anos. Todos os alunos que participam do treinamento na Alemanha, que tem um ano de duração, ganham bolsa integral (630 euros, ou R$ 1,6 mil por mês), ajuda de custo para passagens aéreas e terrestres.
Uma forma de reduzir custos, na medida em que o programa se estende para o resto do mundo, será o oferecimento do mestrado em meio período, no Brasil e na África do Sul. Assim, os participantes não terão de se afastar completamente de suas atividades por um ano, o que reduzirá a necessidade de concessão de bolsas de estudo.
Segundo Scherrer, o mestrado prepara os profissionais da área trabalhista para desafios que sugiram a partir dos anos 90, com a consolidação do poder de instituições internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Banco Mundial.
"Hoje em dia, os sindicalistas têm que estar preparados para negociar com pessoas ligadas a essas instituições. Eles têm de olhar no olho das pessoas com as quais estão negociando e precisam mostrar que sabem do que estão falando", explica.
Local versus global
É o que a brasileira Clair Ruppert, 24 anos, sente na pele. Ela terminou o primeiro semestre de aulas em Kassel e segue no fim de fevereiro para a África do Sul, onde fará estágio na Codesa, a principal central sindical do país.
Clair trabalha na secretaria de Relações Internacionais da CUT, em São Paulo, e foi selecionada para o mestrado na Alemanha após um passar por um processo interno de competição. "Tudo está interligado. A formação da Alca (Área de Livre Comércio das Américas) e os debates na OMC certamente afetam a classe trabalhadora", comenta.
Além dos tópicos do curso serem de grande importância no cenário econômico mundial, Clair diz que a interação com sindicalistas de várias partes do mundo trouxe nova perspectiva para sua visão sobre a atividade.
"Aprendi que estamos dentro do mesmo setor, mas há realidades diferentes. Para meus colegas de países da ex-União Soviética, privatização é um assunto novo. E ficou claro também que o movimento sindical tem várias faces e que há centrais e sindicatos trabalhando com estratégias diferentes, mas com o mesmo objetivo."
Mas nem só de mestrado vive a Universidade do Trabalho. Christoph Scherrer afirma que, a partir de outubro deste ano, a Universidade de Kassel abrirá um programa de doutorado com recursos do Fundo Global para Pesquisa sobre o Movimento Trabalhista. Ao contrário do mestrado, este programa oferecerá bolsas para projetos de estudantes que não sejam funcionários de centrais sindicais.