Brasil enfrenta a magia das "estrelas negras"
27 de junho de 2006"Nós somos os brasileiros da África", disse o atacante de Gana, Stephen Appiah, em meio à euforia da vitória de 2 a 1 sobre os Estados Unidos, que levou o país africano às oitavas-de-final contra o Brasil. Será que a imitação é capaz der surpreender a versão original, nesta terça-feira às 17h (12h de Brasília) em Dortmund?
O técnico Carlos Alberto Parreira, que treinou Gana nos anos 60, espera uma seleção de franco-atiradores. Essa avaliação parece um indício do que o atacante do Cruzeiro, Giovane Élber, escreveu em seu Blog na DW-WORLD: "Muitos jogadores de Gana atuam na Europa e conhecem bem as estrelas da seleção canarinho. Mas não se pode dizer que os brasileiros conheçam muito bem Gana".
Também o técnico alemão Christoph Daum adverte que a seleção de Gana joga em estilo europeu. Além disso, no confronto com as "estrelas negras", é provável que os brasileiros tenham de lutar também contra forças ocultas.
Apoio financeiro da África do Sul
O futebol é o esporte número 1 e um fator econômico em Gana, ensina o livro Goal, guia oficial da Fifa sobre as 32 seleções participantes da Copa. Vitórias contra seleções européias e sul-americanas colocam o país em estado de êxtase. Mas o engajamento da economia neste esporte ainda dá seus primeiros passos.
A seleção adversária do Brasil acaba de fechar um contrato de patrocínio com uma mineradora sul-africana (cerca de US$ 3 milhões por três anos) e com a subsidiária da cervejaria irlandesa Guiness (cerca de 160 mil dólares por ano). Em 2008, o país vai sediar a Copa Africana das Nações, com a qual o governo espera um incremento de 2% da economia.
Fora a seleção, a Premier League nacional domina o futebol de Gana. O Accra Hearts of Oak e o Kumasi Asante Kotoko são para a Liga dos Campeões Africanos algo como o Bayern de Munique e o Real Madrid no futebol europeu.
O futebol como trampolim social, aliado a um contrato na Europa, é o grande sonho dos jovens talentos. "Seu eu conquistar três títulos, assumo o poder em Gana", brincou certa vez Samuel Kuffour, ex-jogador do Bayern de Munique, insinuando a posição que atinge no país quem tem sucesso no futebol internacional.
Técnica e tática aliada à magia
Na África negra, futebol e magia são inseparáveis. Em Gana, a magia no futebol – chamada juju – é praticada sobretudo na primeira divisão, e não nas divisões amadoras, como se poderia pensar. Muitas vezes, animais são incinerados ou enterrados atrás do gol, do lado do campo por onde o adversário entra no gramado. Resultado: já houve time entrando de costas em campo, para destruir más energias.
A Confederação Africana de Futebol (CAF) criou uma força-tarefa para acabar com a bruxaria em campo. Oficialmente, os bruxos, chamados witchdoctor, não podem mais ocupar lugar no banco de reservas.
Enquanto clubes europeus são dirigidos por um trio formado pelo presidente, gerente e técnico, na África ainda há um quarto posto: o encarregado da magia, na maioria das vezes ligado ao departamento médico e responsável por contratar um witchdoctor, revela o livro Goal.
No jogo decisivo de Gana contra Uganda pelas Eliminatórias, no ano passado, os ganeses estavam convencidos de que a África do Sul – que concorria à mesma vaga – estava emitindo energias negativas sobre a sua seleção. Para anular essas energias, foram sacrificadas cem ovelhas antes da partida.
A classificação em 4 de setembro de 2005 foi comparável ao 6 de março de 1957, quando o país se tornou independente. "A classificação para a Copa pode ser comparada à ruptura dos grilhões, que durante anos nos impediram de participar da festa do futebol", escreveu um jornal do país à época.
Terceira potência do futebol africano
Parreira não deve subestimar a força dos ganeses. Na África, o país é considerado a terceira potência do futebol, atrás de Camarões e da Nigéria. Já conquistou quatro títulos continentais (1963, 1965, 1978, 1982) e bronze nas Olimpíadas de 1992 em Barcelona. Nos anos 90, a seleção sub-17 era considerada uma das melhores do mundo, sagrando-se campeã mundial em 1991 e 1995.
Não é possível imaginar o que aconteceria no país se Gana conseguisse surpreender os brasileiros campeões mundiais em Dortmund. Após a classificação para as oitavas-de-final, o técnico croata de Gana, Ratomir Dujkovic, comentou: "Este é um momento histórico. Tornamos 20 milhões de pessoas felizes." E emendou: "Qualquer time que as estrelas negras enfrentarem terá de sofrer." Parreira, portanto, está avisado.