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Brasil faz um de seus carnavais mais politizados

13 de fevereiro de 2018

Celebrações em todo o país ridicularizaram líderes políticos locais e mundiais, se voltaram contra violência, corrupção e intolerância - e desafiaram limites. Ápice foi "Brasil monstruoso" pintado no Sambódromo.

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Carro alegórico da Beija-Flor de Nilópolis traz caixão com boneco que representa estudante morto, com críticas à violência, à intolerância e à corrupção
Beija-Flor fez críticas ao "Brasil monstruoso" e sua violência e corrupçãoFoto: picture-alliance/AP/S. Izquierdo

Com um desfile chocante da Beija-Flor, o Brasil encerrou na madrugada desta terça-feira (13/02) um Carnaval fortemente marcado por críticas e reivindicações, num levante simbólico contra males como a violência e a corrupção, sem esquecer a intolerância e a discriminação.

As celebrações do Carnaval em todo o país ridicularizaram líderes locais e mundiais, pediram tolerância e desafiaram limites. A festa foi aproveitada por muitos brasileiros para fazer críticas num momento de intensa insatisfação com a classe política e temores de problemas econômicos como consequência da recessão.

Um dos maiores destaques da festa politizada deste ano no Sambódromo do Rio de Janeiro foi o desfile da Paraíso do Tuiuti, cuja comissão de frente recebeu o Estandarte de Ouro do jornal O Globo, considerado a segunda premiação mais importante do Carnaval carioca.

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A escola da zona central do Rio, que questionou se a escravidão realmente acabou no Brasil, satirizou o presidente Michel Temer e suas reformas neoliberais, especialmente a reforma trabalhista e sugestões de redefinição do trabalho escravo, com um destaque chamado de "Vampiro do Neoliberalismo", no carro alegórico que representava um navio negreiro dos dias atuais. O enredo "Meu deus, meu deus, está extinta a escravidão?", lembrou os 130 anos da Lei Áurea e falou do trabalho precário.

Destaque de carro alegórico da Paraíso do Tuiuti retrata presidente brasileiro Michel Temer como "Vampiro do Neoliberalismo"
Paraíso do Tuiuti retratou Michel Temer como "Vampiro do Neoliberalismo"Foto: Getty Images/AFP/M. Pimentel

Destaque contra a intolerância

As críticas implacáveis do Carnaval foram dirigidas a políticos e empresários corruptos, pregadores de todas as religiões e incorporaram também denúncias contra a discriminação.

Em homenagem à comunidade LGBT, a Beija-Flor convidou para o seu desfile na segunda duas estrelas da contracultura brasileira do momento, a cantora drag queen Pabllo Vittar e a revelação do funk Jojo Todynho. Elas foram destaques em um carro alegórico que falava sobre a intolerância, numa festa que comemora tanto a sexualidade quanto a diversidade – mas num país que está entre os que têm as taxas mais altas de violência contra pessoas gay e transgênero na América Latina.

Pabllo Vittar tem vários vídeos com milhões de visualizações no YouTube. O da música Todo Dia atraiu 216 milhões de cliques. Sensação da cena pop brasileira, Vittar havia dito, em entrevista recente à revista Época, que tratar de temas como homofobia e transfobia nas ruas do Brasil é importante "para divulgar essa mensagem [de tolerância] todos os dias".

Também na segunda, a organização Grupo Gay da Bahia organizou seu concurso anual de fantasias LGBT em Salvador, incluindo performances que destacaram as altas taxas de violência contra mulheres, gays e transgêneros no país.

Já na cidade pernambucana de Olinda, os foliões desfilaram com bonecos gigantes que satirizaram figuras políticas como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o líder norte-coreano Kim Jong-un, além de homenagearem celebridades tanto brasileiras quanto internacionais, como Michael Jackson e os Beatles.

"Brasil monstruoso"

A Marquês de Sapucaí serviu de palco para a Beija-Flor retratar um "Brasil monstruoso", inspirado no romance Frankenstein, e apresentar as cenas de violência vividas por milhões de pessoas nas favelas do Rio.

A escola, última das seis a se apresentar no segundo dia de desfiles cariocas, é tida como uma das favoritas desta edição e, além de fazer sucesso com o público – que continuou cantando o enredo após o encerramento do desfile –  chegou a receber aplausos de jurados, segundo mostrou foto divulgada pela Folha de S. Paulo.

Com uma sátira cuja intenção era ser um "grito de alerta" contra o modelo social, político e religioso do país, seu enredo, "Monstro é aquele que não sabe amar", reproduziu extremos que sacudiram o público.

Uma mulher que segurava o corpo de um policial morto, evocando a Pietá de Michelangelo, encerrou uma parada em que se viram crianças baleadas em caixões, pais e mães carregando os corpos de seus filhos feridos, jovens apontando armas para a cabeça de suas vítimas e arrastões.

Carnaval de protesto

A Portela, campeã do ano passado, criticou a intolerância falando de um grupo de judeus perseguidos na Europa e refugiados no Brasil, onde passaram a enfrentar discriminação de colonizadores portugueses.

O Salgueiro encheu a Sapucaí de cor numa denúncia contra o racismo e uma homenagem às mulheres negras do Brasil, inspirada num tributo carnavalesco a Xica da Silva, há 55 anos.

Apesar de também apresentar enredos mais suaves, observadores apontam a edição de 2018 do carnaval do Rio como o "Carnaval do protesto" porque a estreia, na noite de domingo, também foi dominada pela crítica política.

Além das alusões da Paraíso do Tuiuti, a Mangueira atacou o prefeito do Rio, o evangélico Marcelo Crivella (PRB), que não esconde que considera o Carnaval uma "celebração pecaminosa" e viajou para a Alemanha depois de ser criticado durante a maior festa brasileira.

No ano passado, Crivella anunciou cortes pela metade nos financiamentos municipais destinados às escolas de samba, ajudando assim a estimular a politização dos enredos.

Membro da escola Paraíso do Tuiuti "bate panelas" na Sapucaí
Membro da escola Paraíso do Tuiuti "bate panelas" na SapucaíFoto: Imago/ZUMA Press

A escola verde e rosa transformou Crivella num boneco de Judas numa das alegorias, ostentando também placas com os dizeres: "Prefeito, pecado é não brincar o Carnaval!". Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, o prefeito divulgou nota se dizendo vítima de "intolerância religiosa" após o desfile. O nome do prefeito também foi pintado na bunda de um boneco da escola.

Durante a ausência de Crivella, multiplicaram-se os roubos nos blocos de rua, assim como os arrastões em praias de bairros da zona Sul da cidade, como Ipanema e Leblon.

No olho do furacão, as autoridades do Rio de Janeiro, que inicialmente disseram sentir-se satisfeitas com o contingente de segurança de 17 mil agentes destacado para o Carnaval, tiveram que anunciar reforços de segurança nas zonas mais turísticas da cidade.

Algumas escolas do Grupo Especial de São Paulo também aproveitaram o carnaval para criticar a situação política, econômica e social do Brasil. A X-9 Paulistana abriu o segundo dia de desfiles no Sambódromo do Anhembi, no último sábado (10/02), e teve um carro alegórico com pessoas fantasiadas de juízes e políticos com notas em cuecas e malas de dinheiro. Já a Império da Casa Verde, que desfilou depois da X-9, comparou o Brasil de hoje ao período da Revolução Francesa.

Grupos feministas também vêm usando o Carnaval para destacar e combater o assédio sexual. Muitos blocos de rua têm temas feministas e várias mulheres usam tatuagens temporárias ou adesivos com dizeres como "não é não". Autoridades também lançaram campanhas para estimular mulheres a denunciar assédio à polícia.

RK/efe/ap/ots