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'Brasil decide seu futuro'

8 de julho de 2010

Teórico de orientação marxista, o sociólogo Emir Sader não esconde sua predileção pela candidata Dilma Rousseff. Em entrevista à DW em Berlim, onde participou de debate, ele analisa a campanha eleitoral e o governo Lula.

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Emir Sader em BerlimFoto: Jens Schicke / Friedrich-Ebert-Stiftung

Como diretor do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e secretário-executivo da ONG Clacso (Conselho Latino-americano de Ciências Sociais), sediado em Buenos Aires, o sociólogo Emir Sader esteve em Berlim a convite da Fundação Friedrich Ebert, participando de uma mesa-redonda sobre as eleições presidenciais no Brasil. Em entrevista à Deutsche Welle, Sader fez uma análise da campanha eleitoral e do governo Lula.

Deutsche Welle: Quais as mudanças mais marcantes do governo Lula em relação ao seu antecessor?

Emir Sader: Uma das duas mais importantes mudanças em relação ao governo anterior é o lugar do Brasil no mundo. Em vez de ser um aliado subordinado aos EUA, o Brasil é um aliado dos países do sul e da América Latina em particular. Em segundo lugar, está a mudança social do Brasil. Pela primeira vez na história do país, diminuiu a desigualdade, como consequência das políticas sociais do governo, que são prioritárias. O modelo econômico é estreitamente ligado à distribuição de renda.

Quais são, na sua opinião, os defeitos e as qualidades do governo Lula?

As boas coisas são justamente as mudanças em relação ao governo Cardoso, enquanto as coisas que manteve são ruins, tais como a hegemonia do capital financeiro, a autonomia de fato do Banco Central, taxas de juros muito altas. Também o modelo de agronegócios ligado à soja, exportação, transgênicos, falta de democracia nos meios de comunicação. Monopólio da terra, monopólio do dinheiro, monopólio da palavra – são esses os três temas que são ainda pendentes.

Não se pode dizer que é um "luxo" ter três candidatos identificados com a esquerda disputando a eleição?

O fato de o Brasil ter um consenso a favor da prioridade das políticas sociais, por exemplo, torna difícil o retorno de um governo que volte a ser economicista, neoliberal, mercantil, a favor do mercado, com Estado mínimo. Isto também é uma consequência indireta do sucesso do governo Lula.

Quais são, na sua opinião, os temas mais importantes a serem abordados na campanha eleitoral, que começou oficialmente nesta semana, e que os problemas o Brasil ainda tem que vencer?

O tema da importância do papel do Estado. A direita acha que o Estado foi importante durante a crise. Passada a crise, ela acha que deve haver mais mercado e menos Estado. Também o tema do fortalecimento ou não das políticas de desenvolvimento, o peso das políticas sociais. E também temas que são difíceis de resolver, como o narcotráfico, segurança pública, que são temas para os quais não foram encontradas alternativas de superação, além de outros, como a violência e o consumo de drogas entre a juventude.

Em que ponto Dilma será igual e em que ponto será diferente de Lula, caso ganhe as eleições?

Ela mesma disse que duas coisas seriam prioridade. Primeiro, a infraestrutura brasileira. O governo Lula melhorou a atividade econômica e a política social, mas tudo que é investimento estrutural no país ainda está faltando. Em segundo lugar, além da política de distribuição de renda, há a política habitacional, de saneamento, transporte e educação. Quer dizer, coisas qualitativas, não apenas de distribuição de renda.

Como o senhor vê a atual relação da Alemanha com o Brasil?

Infelizmente, houve um grande distanciamento do Brasil em relação à Europa e vice-versa. O que foi positivo, porque aumentou a importância da China, da Índia. Isso acabou sendo bom pra nós, porque pagamos um preço menos duro pela crise, já que a demanda de quem mais está em crise, a Europa e os EUA, diminuiu.

Deveríamos retomar uma relação de intercâmbio maior. Mas é preciso que a Europa mude também. A América Latina e o Brasil estão mudando, e a Europa está com uma política ainda antiga. Um pacote recessivo como esse que o governo alemão coloca – também o grego, o espanhol e o francês – é para nós passado. Não deu certo. Não se supera crise com recessão, mas sim com distribuição de renda e criação de empregos. Se é possível aprender alguma coisa com a experiência brasileira e latino-americana, é isso.

O senhor vê com otimismo a era pós-Lula?

Ganhando a Dilma, o que é provável que aconteça, acho que sim. A derrota que vai se impor à direita vai abrir espaço para um crescimento muito forte do movimento popular. Ou seja, o Brasil pode estar decidindo este ano o seu futuro na primeira metade do século. Porque pode estar projetando uma sociedade solidária, justa, o que não teve até agora.

Como o senhor vê as críticas da oposição à candidatura Dilma devido ao suposto uso da máquina pública?

É uma bobagem. A propaganda do governo FHC se fazia em plena campanha eleitoral. Ele foi candidato, depois teve seu candidato. Isso antes já acontecia abertamente. Trata-se de um pequeno contraponto em relação ao brutal monopólio da mídia no Brasil. Todos os grupos econômicos da mídia no Brasil apoiam o Serra. Ele detém o monopólio privado.

O Lula não faz discurso para o povo brasileiro, pois o povo brasileiro não ouve diretamente o Lula. A imprensa é que escolhe o que ela quer e transmite então ao povo. O presidente mais popular do Brasil não consegue falar para o povo. A intermediação é feita pela imprensa privada. Esse é que é o grande problema, a falta de democracia, não o uso do aparelho público.

Entrevista: Márcio Damasceno

Revisão: Carlos Albuquerque