Pouco esforço brasileiro
30 de maio de 2011"A Rodada Doha está à beira do fracasso", alertou o irlandês Peter Sutherland, com a autoridade de quem dirigiu durante dois anos (de 1993 a 1995) a Organização Mundial do Comércio (OMC).
Em entrevista à Deutsche Welle, Sutherland culpou o Brasil, os Estados Unidos e a China pelo que chamou de "déficit na liderança" nas negociações. "O [fato de o] Brasil não fazer um esforço extra para concluir a rodada parece-me terrivelmente surpreendente", criticou Sutherland. "O país é o maior ganhador no que já foi acordado até agora".
O ex-comissário da União Europeia defende que, se até o final deste ano – em dezembro haverá um encontro ministerial da OMC em Genebra – os países não chegarem a um acordo, pode-se dizer que a rodada fracassou. Isso porque as negociações certamente ficarão interrompidas a partir do ano que vem, por conta das eleições presidenciais nos Estados Unidos.
Para Sutherland, atual presidente da filial europeia do banco de investimentos Goldman Sachs International, as negociações bilaterais são a principal ameaça à Rodada Doha. As conversações tiveram início há dez anos, na capital do Qatar. Agora o perigo, na opinião do irlandês, é que a OMC perca sua credibilidade.
Deutsche Welle: Por que o senhor acredita que a Rodada Doha possa fracassar?
Peter Sutherland: Todas as partes negociadoras com que conversei deixam a impressão de que a rodada está à beira de um fracasso. Isso teria sérias implicações e é preciso refletir sobre o que isso significa. Seria um fracasso não conseguirmos concluir a rodada até o final deste ano, pois todos concordam que, devido às eleições norte-americanas no ano que vem, nos próximos dois anos não haverá qualquer movimento no sentido de uma negociação.
Então ou você congela dez anos de negociação, nos quais se criou uma base muito significativa para um acordo, ou você abandona o processo, ou escolhe algumas das frutas que estão penduradas mais abaixo, mesmo que nenhuma delas seja substancial, para fingir que o sucesso obtido será suficiente para deixar todo mundo feliz – o que não acontecerá.
Creio que um acordo menor será tão difícil de ser alcançado quanto um acordo maior, pois será preciso equilibrar cada pequena organização com outra pequena organização. E é justamente essa forma de pensar que está causando o problema diante do qual nos encontramos.
O que significaria de fato o fracasso de Doha?
O maior perigo é a perda de credibilidade da mais importante organização multilateral para o processo de globalização; da organização que forneceu o sistema básico de regras, que permitiu que a China passasse a fazer parte do sistema global de comércio, que permitiu que a Índia e o Brasil passassem de economias protecionistas para economias cada vez mais abertas; do sistema que forneceu regras de não discriminação e abertura, e que, por mais de 50 anos, transformou o sistema mundial de comércio.
Essa credibilidade perdida é que leva a maioria dos grandes países comerciais a fecharem acordos comerciais bilaterais. A Europa, assim como os Estados Unidos, estão fazendo isso. Os EUA estão fechando no momento acordos com a Colômbia, o Panamá e a Coreia. Está-se criando uma macarronada de acordos bilaterais, gerando uma situação na qual os grandes negociam com os pequenos. Isso resulta precisamente nos efeitos errados em termos de desenvolvimento e das possibilidades a serem oferecidas aos mais fracos.
E como ficaria o que já foi acordado?
E perderíamos também aquilo que já foi decidido. A União Europeia (UE), por exemplo, concordou em oferecer acesso livre de cota e isento de impostos para exportações provenientes dos países menos desenvolvidos do globo, que são pelo menos 49 países. Esta é uma mudança substancial. A UE também concordou em remover subsídios de produtos agrícolas a partir de 2013, o que é outro avanço significativo. Tudo isso pode ser posto em risco, pois nada está decidido de fato até que tudo esteja decidido.
É um problema da liderança política?
É absurdo que haja líderes políticos que parecem não perceber que eles estão danificando os fundamentos do próprio processo de globalização que produziu a dinâmica econômica que tivemos na Europa nos últimos dez anos. Há um déficit de liderança aí, e eu particularmente culparia a China, os Estados Unidos e o Brasil. A Europa nem tanto, eu diria, pois eles já fizeram reformas substanciais na agricultura.
Que papel o Brasil deveria desempenhar?
O Brasil é o principal ganhador do que já foi decidido até agora. Agora, [o fato de] o Brasil não faz um esforço extra a fim de concluir a Rodada de Doha me surpreende negativamente. O representante brasileiro em Genebra disse há cerca de duas semanas algo assim: "Bem, é claro que, se a rodada não tiver êxito, a Organização Mundial do Comércio vai continuar existindo, e os que dizem o contrário estão exagerando". Estou surpreso com esta abordagem.
O Brasil tem realmente muito a ganhar com este acordo. Entendo a preocupação brasileira, afinal o real subiu e eles estão com medo de dar um acesso ainda maior do mercado industrial a produtores chineses. Mas o fato é que o Brasil é o grande vencedor. Tenho visto estudos independentes sobre isso e está claro que o Brasil seria o maior ganhador da Rodada Doha, se o que já foi acertado passasse de fato a vigorar.
Entrevista: Mariana Santos
Revisão: Rodrigo Rimon