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Brasil tem poucos meios para evitar fraude como a da Volks

Marina Estarque, de São Paulo24 de setembro de 2015

Sistema brasileiro testa emissões apenas em protótipos e não há controle posterior à saída dos carros da fábrica, como é feito nos EUA. Inspeções são previstas desde 1993, mas até hoje não foram implementadas.

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Trânsito no Rio de Janeiro: Condições ruins das estradas e ruas, além do uso de combustível adulterado, também aumentam a quantidade de poluentes emitidos.
Foto: imago/Fotoarena

A fiscalização das emissões de carros no Brasil é considerada deficiente por especialistas consultados pela DW. Segundo eles, a falta de inspeção veicular e um controle das emissões restrito à fase de protótipo – sem o acompanhamento do automóvel após a fabricação e durante o uso – dificultam a descoberta de fraudes, como a identificada em carros da Volkswagen nos Estados Unidos.

A montadora alemã admitiu ter fraudado testes de emissões de poluentes em seus motores a diesel no mercado americano, em um escândalo global que culminou com a renúncia do presidente da empresa na quarta-feira (23/09). Segundo a Volkswagen, o software usado na fraude foi instalado em 11 milhões de carros em todo mundo. O dispositivo é capaz de identificar quando um automóvel é testado e melhorar momentaneamente o desempenho do motor, enganando as medições.

No Brasil, o controle de emissões é realizado pelo Ibama, através do Programa de Controle da Poluição do Ar por Veículos Automotores (Proconve). O programa, inspirado em normas americanas, estabeleceu limites máximos de emissões de gases poluentes tóxicos, como monóxido de carbono, hidrocarbonetos, óxidos de nitrogênio, aldeídos, material particulado, entre outros.

Gases do efeito estufa, como o C02, não são considerados tóxicos e, portanto, não são objeto do Proconve. Segundo especialistas, não há no Brasil um limite máximo para emissão desses gases por um automóvel. A redução da queima de gases do efeito estufa por carros é estimulada através de programas nacionais de eficiência energética, como o Inovar-Auto e a Etiquetagem Veicular, ambos de adesão voluntária.

Uma das principais críticas ao modelo de fiscalização brasileiro é que o Proconve apenas testa os protótipos dos automóveis para a homologação, mas não há um controle posterior à fabricação, venda e uso, como o realizado pela Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA).

“As emissões têm que ser garantidas por uma quilometragem determinada. Então a EPA testa em um veículo em uso e, caso haja disparidade, responsabiliza a montadora por não oferecer um carro cuja durabilidade garanta aqueles limites de emissão. Isso é muito além do que fazemos aqui”, diz a engenheira Carmen Araújo, diretora administrativa do Instituto de Energia e Meio Ambiente.

O físico Ennio Peres da Silva, especialista em energia renováveis e professor da Unicamp, concorda. Para ele, essa fiscalização posterior é fundamental.

“É como um leite adulterado que é vendido no supermercado. Só um teste depois para capturar isso. Nós somos obrigados a controlar e punir, porque sempre vai haver fraude”, afirma.

O próprio Proconve reconhece que não tem possibilidade de realizar essa fiscalização mais ampla. Segundo Marcio Veloso, da Coordenação de Controle de Resíduos e Emissões do Ibama, a qualidade da homologação no Brasil e nos Estados Unidos é a mesma, mas a etapa seguinte deixa a desejar no programa brasileiro.

“Nisso a gente tem falha mesmo. Por ser um órgão de um país um pouco mais rico que o nosso, na EPA eles compram um veículo sem falar nada com o fabricante e fazem todos os testes. Para nós, isso é proibitivo. Não estamos mal, não, o que a gente precisaria é de uma estrutura maior para poder fazer isso”, diz.

Críticas à falta de supervisão

Apesar das fragilidades, o Proconve também é elogiado por especialistas por ter impactos positivos na qualidade do ar.

“A cidade de São Paulo, que aumentou muito a sua frota, não piorou a qualidade do ar na mesma proporção. Isso é creditado ao Proconve. Nos anos 80, nós tivemos episódios de inversão térmica e qualidade do ar péssimos, que foram reduzidos significativamente”, diz Silva.

Em São Paulo, segundo um estudo da USP lançado em setembro de 2015, 63% dos poluentes lançados na atmosfera são provenientes de automóveis.

Volkswagen Werk in Sao Jose dos Pinhais
Fábrica da Volkswagen no Brasil: montadora alemã admitiu ter manipulado testes de emissões nos EUAFoto: picture-alliance/dpa

Outra crítica ao programa, de acordo com Carmen Araújo, é que, com o aumento da produção de automóveis, faltam técnicos para supervisionar os testes dos protótipos. Com isso, os ensaios seriam feitos pelas próprias montadoras, e o Ibama apenas homologaria.

“Uma parcela pouco significativa dos ensaios são feitos com acompanhamento do agente técnico ou feitos no laboratório do agente técnico, então é um mecanismo de autodeclaração. Nos EUA, há conseqüências muito graves para quem não respeitar, e o mecanismo de controle é muito melhor. Então as montadoras nem arriscam tanto, porque podem ser pegas. Aqui nós nunca descobriríamos”, diz Araújo.

Veloso, do Ibama, nega a afirmação. Segundo ele, “praticamente 100%” dos testes para a homologação são acompanhados pelo Proconve. Ele afirma, porém, que uma fraude como a da Volkswagen não seria detectada em testes no protótipo e requereria um controle do carro posteriormente. Para isso, ressalta, o melhor método seriam as inspeções veiculares.

Inspeção veicular

Segundo especialistas, a falta de inspeção veicular é um grande gargalo no controle de emissões no Brasil. Muito difundida em países como Estados Unidos e Alemanha, a inspeção é composta por testes periódicos e obrigatórios em automóveis. Quando bem feita, pode ser muito eficiente em identificar se o carro está emitindo poluentes para além dos níveis recomendados.

“A EPA tem acesso a dados nacionais das inspeções, que nós não temos. Se tem um modelo que não está passando nunca, eles investigam”, diz Araújo.

Além de auxiliar na fiscalização das montadoras, a inspeção permite responsabilizar o proprietário do automóvel pela sua manutenção. Segundo Silva, o carro precisa funcionar em um ponto ótimo: qualquer problema, até mesmo pneus carecas ou sem calibrar, aumentam o consumo de combustível e as emissões. Para identificar falhas como essas, a inspeção seria fundamental.

"Seria um grande avanço, mesmo uma inspeção mais simples já seria capaz de pegar os casos piores, quando o óleo entrou na câmera de combustão e fica saindo aquela fumaça horrível. O catalisador, que transforma o monóxido de carbono, que é venenoso, em gás carbônico, tem um tempo de vida de dois anos em média, e ninguém troca isso, porque não há essa exigência”, diz Silva.

Ele alerta que as condições ruins das estradas e ruas, além do uso de combustível adulterado, também aumentam a quantidade de poluentes emitidos.

Para Veloso, a inspeção seria um importante complemento do controle das emissões. “O Proconve já previa inspeção veicular desde 1993, só que, infelizmente, por questões que fogem ao controle do Ibama, ela não foi implementada. Só no estado do Rio de Janeiro existe inspeção veicular, mas ela ainda não tem poder de punição como seria necessário. O proprietário do veiculo é informado que o carro dele não atende aos limites, mas depois disso nada acontece”, afirma.

Segundo Veloso, a fraude em motores da Volkswagen terá efeito reduzido no Brasil, porque há apenas um modelo de motor a diesel da empresa no país.

“É somente na pickup Amarok. Mas nós vamos verificar se aqui o problema também está ocorrendo. Se de fato isso estiver ocorrendo, vai ser necessário aplicar o que consta na lei de crimes ambientais. Se constatarmos algum descumprimento, tem previsão de multa, de recall para poder corrigir a falha. Mas isso tudo ainda tem que ser estudado.”