Brasil um ano depois da eleição de Bolsonaro
28 de outubro de 2019"Nada pode ser comparado com o que vivemos em outubro passado, quando o Brasil ficou muito mais radicalizado", lembra o cientista político Jairo Nicolau, da Fundação Getúlio Vargas (FGV). "Dentro de muitas famílias havia problemas por conta da divisão política. Minha impressão é que hoje, um ano depois, o Brasil está menos radicalizado."
Para o sociólogo Demétrio Magnoli, podem ser observadas "duas temperaturas" atualmente no Brasil: "A temperatura das redes sociais não mudou, mas a temperatura da sociedade é diferente, em comparação à das redes. E essa polarização social diminuiu à medida que Bolsonaro perdeu bastante popularidade."
De acordo com o Ibope, a aprovação de Bolsonaro caiu de 49% em janeiro para 31% em setembro. No mesmo período, a parcela da população que achava o trabalho do presidente ruim subiu de 11% para 34%. "Uma queda dramática", avalia Magnoli. "O governo radicaliza em sua retórica na medida em que perde popularidade, o que não é uma boa estratégia."
No mundo real, no entanto, o governo não tem muito para mostrar. O Poder Executivo parece muito fraco, e foi o Congresso, por exemplo, que redigiu a reforma da Previdência recentemente aprovada. "A agenda econômica não está sendo conduzida essencialmente pelo governo, mas pelo Congresso. Nós temos hoje um semiparlamentarismo operando", frisa Magnoli.
Embora o presidencialismo brasileiro realmente fortaleça a figura do presidente, as próximas reformas econômicas também devem ser elaboradas pelo Congresso, já que Bolsonaro se interessa por outras questões.
Durante a campanha eleitoral, ele anunciou, entre outros, a desideologização das escolas públicas, o endurecimento das leis contra o aborto e a flexibilização do porte de armas. Na época, as minorias, em particular, temiam por seus direitos. Mas, no final, o Congresso travou o presidente.
"A agenda de costumes do governo não avança no plano real, só no plano retórico. O governo fala muito sobre isso, mas não consegue aprovar medidas importantes de que ele gostaria", frisa Magnoli. "Isso, porque a democracia resiste às tentativas do governo de aprovar medidas que possam violar os direitos individuais e públicos."
Oposição não consegue passar para nova fase
Entretanto a oposição está mais fraca do que nunca. "A esquerda brasileira entrou em colapso, algo que nunca aconteceu na história do país", sublinha o filósofo Vladimir Safatle, em entrevista à DW. "Ela não consegue lidar com seu luto e passar para uma nova fase."
O PT governou o Brasil de 2003 a 2016, um tempo maior do que qualquer outro partido. Mas, já durante os protestos de 2013, que se assemelhavam ao atual movimento de manifestações no Chile, o governo não tinha respostas. Envolvido na corrupção e culpado pela crise econômica, o PT, sob a então presidente Dilma Rousseff, foi retirado do poder em 2016.
Em outubro de 2018, Fernando Haddad – que entrou na corrida eleitoral no lugar do ex-presidente Lula – não teve chances contra Bolsonaro. Mas o PT nunca processou realmente as razões de seu fracasso, afirma Safatle.
"A esquerda gosta muito do discurso de que ela caiu por suas qualidades e não por seus erros. Mas o lulismo tinha contradições internas irreconciliáveis, que levaram à sua implosão. E a esquerda não tem sido capaz de desenvolver uma agenda alternativa a isso", completa Safatle.
Apesar dos amplos programas sociais, a distância entre ricos e pobres continuou aumentando sob Lula: os pobres se tornaram mais pobres, e os ricos ainda mais ricos, frisa Safatle. A paralisia da oposição dá a chance para Bolsonaro governar sem perturbações, apesar de sua queda de popularidade. "Ele tem apoio de 30% da população, que é uma minoria. Mas é melhor ter um grupo pequeno e organizado do que um grande e desorganizado."
Bolsonaro havia prometido a essa parcela da população uma revolução conservadora que varreria a velha ordem. "É uma revolução que faz o Brasil recuar 100 anos, com consequências catastróficas, por exemplo, para a área ambiental", diz Safatle.
O governo não tirou nenhuma lição de suas convicções ideológicas depois de catástrofes ambientais como o aumento do desmatamento e dos incêndios na Amazônia e, ainda, do derramamento de petróleo que atingiu a região Nordeste do país.
"E, na área social, se faz uma política de concentração de renda, que é a mesma que explodiu no Chile. E vai explodir no Brasil também, mas talvez demore um pouco mais", prevê Safatle. "E, ainda por cima, com uma dinâmica extremamente autoritária e militarista."
Aumento de violações dos direitos humanos
Isso é mais evidente tendo em vista a explosão da violência policial. "A extensão da violência estatal contra populações negras, pobres e faveladas é inacreditável. Não é apenas o número de 1.800 pessoas assassinadas pela polícia neste ano. De fato, há um modelo de genocídio e uma lógica fascista", sublinha Safatle.
Magnoli se preocupa com um novo aumento das violações dos direitos humanos. "É um temor plenamente justificável, porque a polícia perdeu o medo de matar, e é estimulada não só pelo governo federal, mas também por governos estaduais – sendo o maior caso o [governador do Rio de Janeiro] Wilson Witzel. A parte apodrecida da polícia é aquela que tem o maior apoio desses governantes. Uma polícia que opera como milícia."
O que vai acontecer com o Brasil? Magnoli acredita que, se o ex-presidente Lula for liberado da prisão num futuro próximo, poderá trazer uma nova dinâmica. "Nós vamos ter uma mudança de panorama político, e tem até quem acredite que isso possa ajudar o governo a reativar o discurso antipetista. E grande parte do apoio que ainda existe a favor de Bolsonaro é, na verdade, repúdio ao PT, quer dizer, é antipetismo."
O cientista político Jairo Nicolau acredita, porém, que o antipetismo se enfraqueceu. Por um lado, graças às mensagens atribuídas aos procuradores da Operação Lava Jato, reveladas pelo portal The Intercept Brasil, que apontam para manipulações do Judiciário contra Lula.
Por outro lado, porque Bolsonaro não conseguiu cumprir muitas de suas promessas. "As pessoas queriam algo novo, mas quando esse novo não vem, elas tendem a relativizar sua rejeição anterior. O Lula, hoje, deve estar melhor avaliado do que estava há um ano."
Magnoli faz um balanço provisório misto: "Não dá para ser otimista, mas existem elementos para se reduzir o pessimismo: a possibilidade de o país, aos poucos, voltar a crescer. E, ainda, a perda de popularidade deste governo."
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