Brasil é segundo maior fornecedor de cocaína para Alemanha
11 de novembro de 2005Estatísticas do Departamento Federal de Investigações (BKA) apontam o Brasil como segundo maior fornecedor de cocaína para a Alemanha. Em 2004, o país foi superado apenas pela Holanda e, neste ano, pode até assumir a liderança, após a apreensão de 1,1 tonelada de cocaína pura pelo BKA e a Policia Federal brasileira, em julho passado.
Além de servir como país-ponte para o transporte de cocaína dos Andes para a Europa, o Brasil tem também o maior mercado consumidor da droga na América do Sul. "As grandes apreensões são vistas pelos governos como vitória de suas políticas antidrogas, mas freqüentemente se esquece que elas têm um efeito regulador do preço, útil para o narcotráfico." É o que diz o cientista político Karl-Dieter Hoffmann, diretor do Instituto de Estudos Latino-americanos da Universidade de Eichstätt, em entrevista à DW-WORLD.
DW-WORLD – Até que ponto o Brasil está envolvido com o tráfico internacional de drogas?
Karl-Dieter Hoffmann – O Brasil desempenha há tempo um crescente papel no comércio regional de drogas. Mudanças no ranking dos países que mais transportam a droga para a Europa e os EUA são normais, porque os atores envolvidos reagem às apreensões em outras regiões e mudam suas rotas, para continuar o transporte com mais sucesso. No caso do Brasil, isso está ligado ao fato de o país ter o maior consumo relativo de drogas da América do Sul. O país tem um acúmulo de drogas nos mercados urbanos e, por isso, pode ser facilmente usado como ponte para o exterior.
O BKA constatou uma mudança de rota do narcotráfico após a introdução do visto obrigatório para colombianos pela União Européia em 2001. Isso é um fator decisivo?
Isso pode ser decisivo, pelo fato de outras pessoas serem mandadas para o front, mas não para quem comanda o tráfico. Os responsáveis pelos setores de produção e comércio sempre encontrarão caminhos e meios para recrutar pessoas de outras nacionalidades como "mulas". As mudanças da infra-estrutura ilegal pode até afetar o negócio em curto prazo, mas as redes de traficantes conseguem se adaptar rapidamente às novas condições.
Leia a seguir: O narcotráfico e o boom das exportações
O Brasil vive um boom das exportações de produtos agrários e matérias-primas. Isso facilita o transporte também de cocaína para o exterior?
Parte-se do princípio que sim. Já houve apreensões em que foi encontrada cocaína em transportes legais. Conhece-se isso também do México, onde, com o boom das exportações desencadeado pela Nafta, as fronteiras legais passaram a ser cada vez mais usadas para levar drogas aos EUA. Muitos especialistas acreditam que pelas fronteiras legais passa quase tanta droga quanto por pontos isolados. Das centenas de caminhões que se congestionam nas fronteiras, apenas alguns são controlados. Por isso, é relativamente fácil atravessar com uma carga de cocaína. Não há método realmente confiável para detectá-la.
A polícia e os postos de alfândega conseguem realmente controlar os incontáveis contêineres transportados de um lado para outro no mundo?
Se realmente quisessem fazer isso, haveria um caos previsível. Calculou-se, por exemplo, que um controle desses na fronteira norte do México provocaria, dentro de uma semana, um congestionamento de caminhões até a Cidade do México. Isso provocaria críticas das empresas atingidas. É um dilema: com mais mercadorias legais chegam mais carregamentos ilegais, o que exigiria um controle mais rígido. Mas, se este fosse feito, prejudicaria o transporte legal de mercadorias e teria efeitos negativos para os exportadores.
Quanto dinheiro movimenta o tráfico internacional de drogas e quanto é repassado, por exemplo, para um cocalero boliviano? Há estatísticas confiáveis a esse respeito?
A Interpol e o BKA partem, há anos, de um faturamento total de 500 bilhões de dólares, superado apenas pelas vendas mundiais de petróleo e armas. Esse valor, porém, é elevado demais. Calculo que sejam, no máximo, 250 a 300 bilhões, pagos pelos consumidores e que, na maior parte, permanecem nos países em que estes vivem. Só uma parcela mínima desses bilhões retorna aos países produtores, como Colômbia e Peru, de onde vêm a cocaína ou a matéria-prima coca, ou Afeganistão, de onde vem a maior parte do ópio.
O plantador de coca recebe a menor fatia desse negócio lucrativo – dependendo do preço final da droga nas ruas de Nova York ou Madri, no máximo, 1%. Isso pode parecer pouquíssimo, mas o decisivo para ele é que obtenha mais pela folha de coca do que por qualquer produto agrícola. Não se deve esquecer que, na Bolívia e no Peru, há um significativo mercado legal para a folha de coca. O consumo de coca pela população indígena tem uma tradição milenar nesses países. Coca não é cocaína.
Leia mais: A situação dos produtores de coca
Como está a situação nos principais países produtores de cocaína (Peru, Bolívia e Colômbia)? Os programas de fomento à agricultura alternativa, financiados pelos EUA, União Européia e Agência Alemã de Cooperação Técnica (GTZ) têm sucesso?
Dependendo do ponto de vista, sim. Considerando apenas as regiões em que esses programas foram implementados, constata-se que milhares de ex-plantadores de coca agora plantam e vendem outros produtos, sem terem sofrido uma queda de renda. Na Bolívia, por exemplo, muitos cocaleros passaram a cultivar com sucesso banana e abacaxi. Assim, as agências internacionais de ajuda ao desenvolvimento podem apresentar sucessos.
Numa perspectiva mais ampla, porém, os resultados são menos impressionantes. Esses programas não são adequados para reduzir a produção total de matéria-prima da droga. Quando a produção recua num país, ela pode ser ampliada em outro. Assim as reduções verificadas na Bolívia, no final do século passado, foram compensadas pelo aumento da área cultivada na Colômbia. Uma prova de que todas as medidas de combate, sejam elas repressivas ou mais desenvolvimentistas, deram pouco resultado é que hoje o preço final da cocaína para o consumidor é superior ao de 20 anos atrás e o nível de pureza da droga é maior.
Quais os efeitos de uma política antidrogas repressiva, como a que é adotada pela União Européia ou pelos EUA?
Há algumas diferenças entre países europeus quanto à política antidrogas, mas todos usam uma estratégia baseada na oferta, isto é, tentam reduzir o afluxo de substâncias viciadoras ilegais ao mercado. Nos EUA, essa política é implementada com meios mais repressivos do que na Europa. Esta política, até agora, não atingiu seus objetivos. Muitos críticos dizem que o combate às drogas, na forma atual, é parte do problema e não da solução. Não se considera suficientemente o funcionamento dos mercados negros. Mais precisamente, essa política antidrogas desempenha um papel importante para o funcionamento do mercado negro.
A apreensão de enormes volumes só pode ser considerada um sucesso no combate às drogas quando avaliada de forma muito superficial. Isso pode prejudicar a máfia atingida, mas para o mercado é uma vantagem, visto que a retirada de circulação de um certo volume funciona como corretor do preço. Se a polícia e a alfândega apreendem entre 10 e 20%, como se estima, então isso é um regulador do preço, que mais ajuda do que prejudica o tráfico de drogas.
Em meados deste ano, o BKA conseguiu, com a ajuda da polícia brasileira, aplicar seu maior golpe no pós-guerra contra uma organização de tráfico de drogas. Como funciona a cooperação internacional neste setor, por exemplo, entre Brasil e Alemanha?
Conheço esse caso, no que se nota realmente uma melhora na cooperação. Mas isso é apenas um pequeno aspecto do problema. No todo, as forças policiais e de segurança nos países produtores têm um papel que favorece o comércio de drogas. Em muitos casos, participam do negócio. Há sempre casos criminais espetaculares, não só nas relações EU-América Latina e, sim, também na Europa, em que as autoridades policiais dos diferentes países anunciam a intenção de coordenar melhor seu trabalho. Isso indica que ainda há muitos déficits na cooperação. E é fácil imaginar que a cooperação com a polícia na América Latina seja ainda bem pior, mesmo que haja sucessos isolados.
Quais os ingredientes de uma política antidrogas efetiva?
Uma política antidrogas efetiva deveria, em primeiro lugar, admitir que a meta de uma sociedade livre de drogas é uma ilusão. Temos que conviver, até certo ponto, com o problema das drogas e, com base nisso, fazer mais no sentido da harm reduction, i.é., da redução dos efeitos negativos do fenômeno. E ver a dependência de drogas não só como algo em primeira linha criminoso e, sim, como uma doença, semelhante ao caso do alcoolismo, e tentar ajudar as vítimas. Mas também isso só é possível até certo ponto. Não se pode atingir a classe alta na Europa ou nos EUA com programas sociais ligados ao problema das drogas. Uma profunda alteração do quadro só será possível se houver uma mudança nos hábitos de consumo dessa gente, que é pressionada por modismos e não se deixa influenciar por políticas repressivas.
Análises de águas fluviais acabam de indicar que o consumo de cocaína na Alemanha pode ser bem superior ao que supunham as autoridades. O que o sr. acha desse tipo de pesquisa?
Pode até ser que o consumo de droga na Alemanha seja superior ao que se supunha. Mas as projeções baseadas nos resquícios encontrados na água, provavelmente, são tão questionáveis quanto os números que foram publicados até agora. Quanto ao número de consumidores e seu comportamento, se tateia no escuro. Não há quem tenha uma visão geral dessa realidade. Cada ator só conhece um recorte. Os políticos usam os números que lhes convêm. Talvez essa análise os leve a partir de outras dimensões e a agir mais neste setor, ainda que seguindo o velho esquema.
Como a população é bastante desinformada nesse campo, os políticos que propagam uma linha dura têm melhores perspectivas nas urnas do que defensores de posições liberais, que em algumas cidades européias já registram progressos. Não há como obter 100% de sucesso na luta contra as drogas, mas parece evidente que a atual política fracassou.