Brexit gera terremoto político no Reino Unido
26 de junho de 2016Com a notícia de que o secretário de Estado dos EUA, John Kerry, visitará Londres e Bruxelas nesta segunda-feira (27/06), a situação política pós-Brexit no Reino Unido se tornou oficialmente uma crise global. Aparentemente, Washington está preocupado com a coesão do Ocidente e a estabilidade do Reino Unido e da União Europeia (UE).
No Reino (ainda) Unido, por outro lado, eclodiu neste fim de semana uma espécie de pânico nacional: o país sofreu um colapso nervoso coletivo. E os jovens britânicos se voltaram furiosamente contra a geração mais velha: por que vocês fizeram isso conosco?
Regrexit ou Bregret?
No dia seguinte ao resultado do referendo, dois termos foram inventados para definir o clima no Reino Unido: Regrexit e Bregret – ambos fusões do termo Brexit com a palavra inglesa regret, que significa arrependimento. Ambos os termos descrevem o remorso decorrente do referendo, cujas consequências os eleitores obviamente não deixaram de notar.
"É como a ressaca depois de uma noitada de exageros. Na manhã seguinte as pessoas se perguntam: 'Pelo amor de Deus, o que foi que eu fiz?'." Desta forma, muitos britânicos descreveram seus sentimentos quando tomaram conhecimento do caos político que se alastra pelo país.
Muitos também estão chocados porque só agora compreenderam que os políticos favoráveis à saída do Reino Unido da União Europeia não poderão manter suas promessas eleitorais: não haverá as centenas de milhões de libras esterlinas de investimento no sistema de saúde, a imigração não diminuirá sensivelmente, não haverá mais peixes para os pescadores britânicos e nem dinheiro de Bruxelas para agricultores do país.
Os eleitores acreditaram na campanha do Brexit, que garantia à população britânica condições de vida melhores após a saída do Reino Unido da União Europeia. A ressaca pós-votação e a volta à realidade foram um golpe duro para os britânicos.
O sumiço dos conservadores
Dos principais líderes dos conservadores não se ouviu nada neste fim de semana. O país está sozinho com a sua inquietação. O ainda premiê David Cameron retirou-se silenciosamente em Downing Street, residência oficial do líder de governo. O ex-prefeito de Londres Boris Johnson, principal rosto da campanha pelo Brexit e potencial sucessor de Cameron, sumiu.
Os talk shows políticos de domingo, dos quais Johnson era a estrela, tiveram que preencher sua lista de convidados com o segundo escalão. E estes regurgitaram frases vazias conhecidas desde o período da campanha eleitoral, incapazes ou sem pretensões de responder à urgente pergunta: Como será daqui para frente?
O ministro das Relações Exteriores, Philip Hammond, deu uma breve declaração na qual ele chamou de catástrofea possibilidade de o Reino Unido perder o acesso ao mercado interno europeu – uma declaração que certamente não contribuiu para tranquilizar os nervos britânicos.
Nos bastidores, a luta pelo poder no Partido Conservador está a todo vapor: Cameron quer indicar a ministra do Interior, Teresa May, como candidata alternativa a sua sucessão. Já que ele deverá entrar para a história como o primeiro-ministro responsável pela saída do Reino Unido da UE, que pelo menos Boris Johnson não seja seu sucessor.
Há tempos Cameron não confia mais no seu antigo companheiro político, e de forma alguma para o cargo político mais elevado do país. Cameron tenta agora repassar o poder político para o que julga serem boas mãos. Se dará certo, ninguém sabe: May tem tido pouco apoio no partido.
Caos também no Partido Trabalhista
Na oposição, a situação não está muito melhor: na calada da noite, o líder trabalhista, Jeremy Corbin, afastou o ministro do Exterior do gabinete paralelo, Hillary Benn – no Reino Unido, forma-se uma espécie de governo paralelo, sob liderança do líder da oposição, que tem a responsabilidade de criticar o governo atual. Benn tinha apoiado uma moção de desconfiança contra o chefe do partido. Até esta tarde, quatro deputados se rebelaram e deixaram o partido.
Ao longo do dia, ao menos oito integrantes do gabinete paralelo renunciaram em protesto. Segundo alegações de seus oponentes, Corbyn apoiou a campanha de permanência do Reino Unido na UE com pouco entusiasmo e, assim, contribuiu decisivamente para a derrota no referendo.
E, de fato, principalmente nos velhos redutos do Partido Trabalhista no norte, os eleitores não seguiram a linha partidária e votaram maciçamente pela saída da União Europeia. Ninguém sabe qual será o resultado da batalha interna pelo poder, mas ela poderá desmantelar o partido ou, ao menos, enfraquecê-lo por um tempo crítico.
Escócia ameaça com veto
A primeira-ministra escocesa, Nicola Sturgeon, já anunciou que usará todos os meios disponíveis para evitar que a Escócia tenha que sair da União Europeia. Juristas discutem se o Parlamento escocês teria o poder para barrar uma votação sobre o tema em Westminster. O mesmo valeria para o Parlamento regional da Irlanda do Norte. Em ambas as regiões, a população votou esmagadoramente a favor da permanência.
Sturgeon quer esgotar todas as possibilidades. Se for necessário, ela fará um segundo referendo sobre a independência da Escócia. A primeira-ministra também já iniciou um diálogo direto com Bruxelas para garantir o lugar da Escócia na União Europeia.
Novas eleições em breve?
A situação política é tão explosiva que não se pode descartar a realização de novas eleições parlamentares ainda este ano. Os dois maiores partidos britânicos dificilmente estarão preparados para isso, e nenhum dos líderes partidários ou potenciais candidatos a primeiro-ministro seria capaz de unir o profundamente dividido Reino Unido.
Além disso, acumulam-se em todos os lugares relatos sobre incidentes xenófobos. Adesivos com discursos de incitação ao ódio foram colados nas portas de imigrantes poloneses, e crianças romenas foram ofendidas em salas de aula. Muitos britânicos estão chocados com a cara que seu país está mostrando. E eles finalmente estão entendendo a dimensão do terremoto que atingiu as aparentemente estáveis ilhas britânicas.