Bruxelas exige mudança na Lei da Volkswagen
31 de março de 2004A queda-de-braço entre a União Européia e o governo alemão por causa da Lei da Volkswagen já dura alguns anos. Depois que um encontro de cúpula entre o chanceler federal alemão, Gerhard Schröder, e o presidente da Comissão Européia, Romano Prodi, no início de março, não trouxe resultados, Bruxelas resolveu jogar duro e deu um ultimato.
Berlim tem dois meses de prazo para mudar a lei, que entrou em vigor em 1960, quando a montadora foi privatizada e transformada em sociedade de ações. Do contrário, o atual procedimento interno de violação dos tratados da UE será levado perante a Corte Européia de Justiça.
As objeções da UE: direito de voto e controle
Para o comissário de Mercado Interno da UE, Frits Bolkestein, a lei impede o livre trânsito de capitais na União Européia. Concretamente ele objeta que nenhum acionário possa deter mais de 20% dos direitos de voto na assembléia geral, mesmo que possua mais de 20% das ações.
Essa cláusula tiraria a motivação para acionistas estrangeiros investirem na montadora com sede em Wolfsburg, na Baixa Saxônia. O Estado da Baixa Saxônia é o maior acionista da Volkswagen, detendo 18,64% das ações e possui 18,2% dos direitos de voto.
Mas Bolkestein tampouco aceita que a União tenha um representante no conselho administrativo da empresa e a Baixa Saxônia, dois - atualmente o governador Christian Wulff e o secretário da Economia, Walter Hirche.
Contra a lei do mais forte
O governo da Baixa Saxônia - Estado do qual Gerhard Schröder já foi governador - lamentou a decisão de Bruxelas, mas declarou-se disposto a prosseguir o diálogo com a Comissão. Os governos federal e estadual, bem como a direção da montadora até agora se recusaram a rever a lei.
Como as ações da VW estão em baixa, sendo negociadas em torno de 36,20 euros nesta quarta-feira (31), o valor de mercado da maior montadora européia diminuiu nos últimos anos. Isso exporia a Volkwagen a ser engolida por um investidor forte e é o que pode acontecer se Bruxelas se impuser no tocante à Lei da VW.
Nem toda empresa tem uma lei. Mas a indústria que até no seu nome se propôs a construir um carro (wagen) popular (volks), tem sua própria história e está intrinsecamente ligada à Baixa Saxônia. Somente em Wolfsburg emprega 50 mil funcionários, além de garantir inúmeros empregos nas fornecedoras e na região.
Ação de ouro e a ilusão de liberdade
Bruxelas, contudo, vê certa semelhança da Lei da VW com a chamada golden share (ação de ouro), cuja função é a mesma: impedir uma fusão ou incorporação indesejada. Em alemão isso se chama feindliche Übernahme (incorporação "inimistosa"), expressão que em si já expressa o temor de ser engolido por um grupo mais forte. O exemplo da Mannesmann - incorporada, após muita resistência, à Vodafone, ainda está vivo na memória de muitos.
Segundo o governo estadual da Baixa Saxônia, a lei não impede o livre trânsito de capitais. Tanto é que dois grupos de investidores compraram grandes pacotes de ações da Volkswagen – um deles de mais de 5% – desde que Bruxelas abriu o processo contra a Alemanha. Além do mais, a linha defendida pelo comissário Frits Bolkestein seria contrária às diretrizes da UE sobre fusão de empresas, que ainda não entraram em vigor.
Um porta-voz da Volkswagen não quis comentar o ultimato, alegando que a indústria automobilística não é uma das partes nesse litígio. O presidente da montadora, Bernd Pischetsrieder, já havia criticado a pressão de Bruxelas, em entrevistas.
"O sr. Bolkestein dá a impressão de que existiria um único mercado mundial de capitais", declarou à revista Focus. Mas o comissário ignora que existem regras como as leis de fusão dos estados americanos de Pensilvânia e Indiana, e os direitos de maioria da família Ford.
Interesses nacionais
Para a Alemanha com sua economia social de mercado parece plausível defender certas estruturas e interesses econômicos contra a lei do mais forte que impera no mercado financeiro. A co-gestão, por exemplo, seria uma das estruturas econômicas que estaria ameaçada em fusões com transferência da sede da empresa para o exterior.
Em várias sentenças, a Corte Européia de Justiça estipulou, porém, que as golden shares só são compatíveis com as normas da União Européia quando se trata de empresas de interesse nacional. Esse seria o caso, por exemplo, de companhias de eletricidade.